À noite, engordam?
UM DOS MITOS MAIS ENRAIZADOS NO FITNESS, E NA NUTRIÇÃO EM GERAL, É QUE COMER HIDRATOS DE CARBONO À NOITE ENGORDA. A LÓGICA É SIMPLISTA.
Anoite não irão ser usados como energia e, assim, terão as reservas de gordura como destino. Este principio atropela o conceito básico de equilíbrio energético como determinante do peso e composição corporal, mas talvez tenha um fundo de verdade que merece discussão.
É verdade que durante o jejum noturno e repouso absoluto cerca de 70% das nossas necessidades energéticas são satisfeita s pelos ácidos gordos, mas é igualmente verdade que uma refeição rica em hidratos de carbono antes de dormir reduz esta proporção no sentido de aumentar a preponderância dos hidratos de carbono. No entanto, é redutor e falacioso assumir que uma menor oxidação de ácidos gordos à noite como energia vai favorecer o ganho de peso, já que o balanço energético é o principal factor que determina a reserva de gordura no tecido adiposo.
Mas existem alguns dados que apontam para uma perda de peso superior quando a maior parte da energia diária, e não dos hidratos de carbono, é ingerida na primeira metade do dia, comparativamente a uma dieta com maior densidade energética à noite. Estes resultados não invalidam o princípio do balanço energético, pois em ambulatório não há hipótese de garantir um consumo isoenergético em ambos os grupos. As mesmas limitações constam em trabalhos que suportam estratégias como o “carb-backloading”, em que a ingestão de hidratos de carbono se resume apenas ao final do dia, com resultados mais favo-ráveis na composição corporal do que o fracionamento ao longo do dia. Este estudo não suporta o princípio de que ingerir hidratos de carbono à noite engorda, desde que o balanço energético seja nulo ou negativo.
É importante compreender que o balanço energético é um processo dinâmico que no dia a dia de quem não conta calorias se rende a um factor – saciedade. Sentir ou não fome. Refeições mistas tardias parecem reduzir a oxidação de ácidos gordos e aumentar a utilização de hidratos de carbono durante o dia seguinte nos períodos entre refeições. Esta inflexibilidade na transição de substratos aumenta a dependência energética aos hidratos de carbono e mobilização das reservas hepáticas. O fígado tem enervações até ao sistema nervoso central que, em situações de redução das reservas de glicogénio, sinalizam no sentido da reposição – fome, para promover a ingestão alimentar. Uma menor transição de substratos energéticos após as refeições, de hidratos de carbono para lípidos, associa-se a um aumento do apetite.
A nossa tolerância global aos hidratos de carbono varia ao longo do dia, sendo maior pela manhã. Este fenómeno é justificado pela necessidade de repor o glicogénio hepático, que sofreu depleção severa durante o jejum noturno e pela maior secreção de insulina neste período. À noite, as variações de glicemia parecem ser superiores após uma carga significativa de hidratos de carbono, sinal de menor tolerância. Existem glucorecetores no sistema nervoso central, que monitorizam a amplitude de variação da glicemia, percecionando grandes oscilações, como quebras de energia e necessidade de a repor, mais uma vez aumentando o apetite. Neste sentido, existe plausibilidade fisiológica que justifica uma maior dificuldade em controlar a ingestão calórica quando o consumo de hidratos de carbono é mais elevado ao fim do dia, mas que não invalida o princípio do balanço energético. Um outro aspeto importante a considerar é o horário da atividade física, quando existe. É bem estabelecido que, no período pós-treino, a tolerância aos hidratos de carbono é elevada devido à necessidade de repor o glicogénio gasto e promover a recuperação. Como tal, se o treino ocorrer ao fim do dia, este continuará a ser o período primordial para a ingestão de hidratos de carbono em quantidades que dependem da necessidade imposta pela atividade em específico.
A NOITE NÃO É IDEAL PARA A INGESTÃO DE QUANTIDADES ELEVADAS DE HIDRATOS DE CARBONO SUPERIORES A 30-40 G TOTAIS, EXCETO SE O TREINO DECORRER ANTES DESTE MOMENTO
Apesar de não existirem provas concretas de que os hidratos de carbono à noite favorecem o ganho de peso, o mito persiste. E, como muitos mitos, talvez se baseie em alguma verdade empírica que permite espaço para a opinião quando a Ciência não dá uma resposta clara. E, neste campo, permito-me à opinião informada de que o período noturno não é o ideal para a ingestão de quantidades elevadas de hidratos de carbono, superiores a 30-40 g totais, exceto quando o treino decorre previamente a este momento. Da mesma forma, recomendaria o jejum após o jantar, ou apenas um snack proteico, de forma a otimizar o metabolismo glicídico e flexibilidade metabólica durante a janela alimentar do dia seguinte.