Men's Health (Portugal)

À noite, engordam?

UM DOS MITOS MAIS ENRAIZADOS NO FITNESS, E NA NUTRIÇÃO EM GERAL, É QUE COMER HIDRATOS DE CARBONO À NOITE ENGORDA. A LÓGICA É SIMPLISTA.

- POR SÉRGIO VELOSO Professor e consultor de Nutrição na Metabolic Edge, na NutriScien­ce e autor do blogue www.fat-new-world.com

Anoite não irão ser usados como energia e, assim, terão as reservas de gordura como destino. Este principio atropela o conceito básico de equilíbrio energético como determinan­te do peso e composição corporal, mas talvez tenha um fundo de verdade que merece discussão.

É verdade que durante o jejum noturno e repouso absoluto cerca de 70% das nossas necessidad­es energética­s são satisfeita s pelos ácidos gordos, mas é igualmente verdade que uma refeição rica em hidratos de carbono antes de dormir reduz esta proporção no sentido de aumentar a preponderâ­ncia dos hidratos de carbono. No entanto, é redutor e falacioso assumir que uma menor oxidação de ácidos gordos à noite como energia vai favorecer o ganho de peso, já que o balanço energético é o principal factor que determina a reserva de gordura no tecido adiposo.

Mas existem alguns dados que apontam para uma perda de peso superior quando a maior parte da energia diária, e não dos hidratos de carbono, é ingerida na primeira metade do dia, comparativ­amente a uma dieta com maior densidade energética à noite. Estes resultados não invalidam o princípio do balanço energético, pois em ambulatóri­o não há hipótese de garantir um consumo isoenergét­ico em ambos os grupos. As mesmas limitações constam em trabalhos que suportam estratégia­s como o “carb-backloadin­g”, em que a ingestão de hidratos de carbono se resume apenas ao final do dia, com resultados mais favo-ráveis na composição corporal do que o fracioname­nto ao longo do dia. Este estudo não suporta o princípio de que ingerir hidratos de carbono à noite engorda, desde que o balanço energético seja nulo ou negativo.

É importante compreende­r que o balanço energético é um processo dinâmico que no dia a dia de quem não conta calorias se rende a um factor – saciedade. Sentir ou não fome. Refeições mistas tardias parecem reduzir a oxidação de ácidos gordos e aumentar a utilização de hidratos de carbono durante o dia seguinte nos períodos entre refeições. Esta inflexibil­idade na transição de substratos aumenta a dependênci­a energética aos hidratos de carbono e mobilizaçã­o das reservas hepáticas. O fígado tem enervações até ao sistema nervoso central que, em situações de redução das reservas de glicogénio, sinalizam no sentido da reposição – fome, para promover a ingestão alimentar. Uma menor transição de substratos energético­s após as refeições, de hidratos de carbono para lípidos, associa-se a um aumento do apetite.

A nossa tolerância global aos hidratos de carbono varia ao longo do dia, sendo maior pela manhã. Este fenómeno é justificad­o pela necessidad­e de repor o glicogénio hepático, que sofreu depleção severa durante o jejum noturno e pela maior secreção de insulina neste período. À noite, as variações de glicemia parecem ser superiores após uma carga significat­iva de hidratos de carbono, sinal de menor tolerância. Existem glucorecet­ores no sistema nervoso central, que monitoriza­m a amplitude de variação da glicemia, perceciona­ndo grandes oscilações, como quebras de energia e necessidad­e de a repor, mais uma vez aumentando o apetite. Neste sentido, existe plausibili­dade fisiológic­a que justifica uma maior dificuldad­e em controlar a ingestão calórica quando o consumo de hidratos de carbono é mais elevado ao fim do dia, mas que não invalida o princípio do balanço energético. Um outro aspeto importante a considerar é o horário da atividade física, quando existe. É bem estabeleci­do que, no período pós-treino, a tolerância aos hidratos de carbono é elevada devido à necessidad­e de repor o glicogénio gasto e promover a recuperaçã­o. Como tal, se o treino ocorrer ao fim do dia, este continuará a ser o período primordial para a ingestão de hidratos de carbono em quantidade­s que dependem da necessidad­e imposta pela atividade em específico.

A NOITE NÃO É IDEAL PARA A INGESTÃO DE QUANTIDADE­S ELEVADAS DE HIDRATOS DE CARBONO SUPERIORES A 30-40 G TOTAIS, EXCETO SE O TREINO DECORRER ANTES DESTE MOMENTO

Apesar de não existirem provas concretas de que os hidratos de carbono à noite favorecem o ganho de peso, o mito persiste. E, como muitos mitos, talvez se baseie em alguma verdade empírica que permite espaço para a opinião quando a Ciência não dá uma resposta clara. E, neste campo, permito-me à opinião informada de que o período noturno não é o ideal para a ingestão de quantidade­s elevadas de hidratos de carbono, superiores a 30-40 g totais, exceto quando o treino decorre previament­e a este momento. Da mesma forma, recomendar­ia o jejum após o jantar, ou apenas um snack proteico, de forma a otimizar o metabolism­o glicídico e flexibilid­ade metabólica durante a janela alimentar do dia seguinte.

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