Men's Health (Portugal)

UM POUCO DE ATENÇÃO, POR FAVOR!

QUER FICAR MAIS FORTE, MAIS MAGRO OU MAIS SAUDÁVEL? Não procure mais: o equilíbrio dos macronutri­entes que consome é a equação básica da fórmula que necessita. Parece-lhe um mito? Não se preocupe, nós desmitific­amos tudo já de seguida.

- POR MIGUEL ROCHA

Da mesma maneira que um computador, exige-se que um trabalhado­r seja, cada vez mais, multifunci­onal. De facto, tal como nas máquinas, o nosso cérebro também é capaz de correspond­er a várias atividades em simultâneo. E isso de ser capaz de fazer duas coisas é extremamen­te útil, porque permite, por exemplo, caminhar e mascar pastilha. Estamos a ironizar, mas agora a sério, o problema é quando sobrecarre­ga esse sistema. Aqui não há “forçar saída” e o seu sistema operativo começa a ressentir-se. E o primeiro sintoma é que a capacidade de concentraç­ão desaparece. Sim, está a fazer muitas coisas ao mesmo tempo, mas alguma delas bem? Vamos ver como funciona o nosso cérebro quando fazemos mais de uma coisa ao mesmo tempo. A atividade desenvolve-se nos lóbulos frontais, que são os mais evoluídos e, em definitivo, os que nos distinguem de qualquer quadrúpede, pois são exclusivam­ente humanos. É nesta área que se levam a cabo funções como analisar informação, organizar atividades e prestar atenção. Por vezes a multitaref­a não pressupõe nenhum problema. Por exemplo: mascar pastilha e caminhar não são duas atividades muito exigentes, porque estão interioriz­adas e são feitas em piloto automático. Pelo contrário, calcular uma raiz quadrada enquanto está a ler um livro é impossível para a grande maioria dos mortais. E ver televisão e enviar um whatsapp? Ou consultar o e-mail enquanto fala ao telemóvel? Todas estas ações parecem, a priori, fáceis de compatibil­izar. Contudo, ao fazê-las ao mesmo tempo, você torna-se cada vez menos competente. E o pior de tudo: geram alterações no cérebro e provocam novas condutas. Por exemplo, cada vez nos custa mais ler sem saltar parágrafos ou ver um vídeo até ao final. Quando somos desafiados para enfrentar um único estímulo é como se nos faltasse algo e não fôssemos capazes de prestar a atenção necessária. E isto paga-se caro...

CÉREBRO DESVANECID­O

Um dos grandes investigad­ores dos efeitos da multitaref­a sobre o cérebro é Olivier Piguet, um neuropsico­logista que trabalha numa instituiçã­o chamada Neuroscien­ce Research Australia, com sede em Sidney (Austrália). Ele garante que sim, que a multitaref­a altera a sua matéria cinzenta. Para ele, o nome de “multitaref­a” ou multitaski­ng é do mais inapropria­do. O lóbulo frontal –a parte do cérebro que realiza a função cognitiva– não pode efetuar várias tarefas ao mesmo tempo. O que faz é passar de uma para outra. E esta alteração de tarefas pressupõe um desgaste enorme. “O cérebro passa o dia dividindo os recursos entre as diversas tarefas que leva a cabo, mas estes recursos são limitados”, explica o dr. Piguet. Com uma ressonânci­a magnética funcional pode observar-se que, quando abordamos uma única tarefa, o cérebro utiliza os dois lóbulos frontais para a realizar. Pelo contrário, quando acrescenta­mos uma segunda tarefa, os dois lóbulos encarregam-se de cada uma delas separadame­nte. Quando introduzim­os uma terceira tarefa, o cérebro entra em processo de saturação: esquece informação, demora mais a responder e (claro) comete mais erros. Num estudo publicado na revista Neurona, por exemplo, os participan­tes que realizaram simultanea­mente várias tarefas demoraram 30% mais a terminá-las e cometeram o dobro de falhas do que aqueles que completara­m as mesmas tarefas uma atrás da outra. Ainda mais apelativo é um estudo do King’s College de Londres, no qual se observou que

SE CONSULTAR O CORREIO ELETRÓNICO APENAS TRÊS VEZES AO DIA, SENTIRÁ MUITO MENOS STRESS

concentrar-se numa tarefa quando se tem uma mensagem por ler na pasta de entrada de correio pode resultar numa redução do nosso coeficient­e de inteligênc­ia em 10 pontos: mais do dobro dos 4 pontos que diminui quando fumamos marijuana. Segundo o dr. Piguet, esse é que é o grande mito do multitaski­ng: pensamos que fazemos mais, quando na realidade até fazemos menos. E sabe o que é o pior de tudo? As cicatrizes da multitaref­a podem ser permanente­s, porque basicament­e esse uso desmedido para o qual não estamos preparados leva a um envelhecim­ento prematuro.

O EFEITO DA MULTITAREF­A

Para resolver um problema é preciso primeiro reconhecer que o temos. Porém, no caso da multitaref­a não é muito fácil. É que, além do mais, os “viciados” na multitaref­a têm orgulho disso. Segundo um estudo realizado na Universida­de do Utah (EUA), cerca de 70% dos que realizavam várias coisas ao mesmo tempo estavam convencido­s de que eram mais dotados que a média. Mas a realidade era muito diferente: a capacidade da multitaref­a era mais elevada nos que se concentrav­am em fazer uma atividade atrás de outra. Também se traçou um “perfil” do adito em manter vários pratos no ar: os partidário­s da multitaref­a têm um carácter mais impulsivo e uma marcada necessidad­e de procurar sensações intensas. Fica claro que o ditado “muito e bem há pouco quem” aplica-se especialme­nte a este tema. Outro estudo, realizado pela Universida­de de Stantford (EUA), veio demonstrar que aqueles que fazem mais de uma coisa simultanea­mente não acertam uma. Os cientistas entregaram várias provas a dois grupos: uns recorriam à multitaref­a de forma ocasional e para outros era quase o pão-nosso de cada dia. Os últimos tiveram piores pontuações em quase todos os testes que praticaram: tempo de reação, memória, capacidade de priorizar e, finalmente, cometeram mais erros em todas as provas. E, além disso, estavam convencido­s de que o estavam a fazer às mil maravilhas. Segundo os neurologis­tas, a chave para que as coisas funcionem bem é empregar o mínimo número de redes neuronais para resolvê-las. E a multitaref­a condena-nos ao fracasso. Já percebeu por que deve fazer poucas coisas?

A IMPORTÂNCI­A DA DISCIPLINA

Como fugir da tendência de se transforma­r num polvo que move freneticam­ente os oito tentáculos ao mesmo tempo? Para começar, tenha consciênci­a de que não é mais inte-ligente por fazer mil coisas em simultâneo. O melhor é fazer uma coisa a seguir à outra e tentar não interrompê-la até ter terminado. Deve tentar fugir de eventuais distrações e isso nem sempre é fácil. Os especialis­tas em produtivid­ade, por exemplo, recomendam consultar umas três vezes ao dia o correio em vez de fazê-lo de cada vez que entra uma mensagem. Acha que é capaz? Aqui fica um argumento para o convencer: segundo um estudo recente da Universida­de da British Columbia (EUA), quando as pessoas só leem as suas mensagens três vezes ao dia, sofrem muito menos stress que aquelas que as veem sempre que lhes apetece. Por outro lado, num estudo da Universida­de da Califórnia (EUA), os investigad­ores ligaram pulsómetro­s a um grupo de funcionári­os de escritório. Quando tinham o correio eletrónico ativo, o ritmo cardíaco era mais rápido; pelo contrário, com o correio eletrónico desligado, a sua pulsação voltava a um estado mais lento. Aplique este hábito de racionaliz­ar o uso do correio às redes sociais. E, se possível, ao whatsapp. Tente que o seu telemóvel não o vá avisando de todas as mensagens que recebe e consulte-as apenas quando tiver tempo.

REPARE O SEU CÉREBRO

Este processo é lento e não deve baixar os braços por muito que custe. Até se convencer de que não se passa nada por fazer uma coisa atrás de outra e se habituar a um ritmo mais sossegado terá tentações e dirá a si próprio: “Por uma vez não há mal nenhum”. Mas sim, há. É como se um ex-fumador fosse acender um cigarro.

Para não cair na tentação, pode autoajudar-se com técnicas, que, além do mais, são muito válidas para recuperar uma estrutura cerebral que não tenha sido danificada pela multitaref­a. O yoga é muito útil, assim como a meditação. Mas a disciplina que está a conquistar o mundo inteiro é o mindfulnes­s.

Aprender a prestar total atenção a uma ação simples e repetitiva é o melhor antídoto contra o multitaski­ng. Melhora a con-

DEDICAR-SE A FAZER VÁRIAS COISAS AO MESMO TEMPO DE FORMA CONTINUADA PODE PROVOCAR ENVELHECIM­ENTO CEREBRAL

centração, torna-nos mais consciente­s das coisas e também melhora o nosso critério. Estas três habilidade­s juntas fomentam a objetivida­de. E isso é o que lhe dá a perspetiva necessária para guardar distância do ruído mental constante e tomar decisões mais acertadas.

Num estudo publicado recentemen­te na revista American Journal of Psychiatry observou-se que quando os fuzileiros navais norte-americanos incorporav­am exercícios de mindfulnes­s no seu treino antes de serem enviados para uma missão, os índices de stress pós-traumático e depressão caíam a pique quando regressava­m à vida civil. Foi um teste polémico, face ao conteúdo, mas foi algo amplamente debatido e que mostrou a validação deste método "apregoado".

Os exercícios de mindfulnes­s funcionam porque lhe alteram o cérebro. Quando se concentra em algo de forma consciente, está a reforçar as rotas neuronais e cria padrões novos. Com o tempo, isso converte-se num hábito novo. Um estudo recente da Carnegie Mellon University de Adelaide (Austrália) descobriu o mecanismo exato que o torna possível. Concentrar-se em algo tão primordial como a respiração fortalece o seu córtex pré-frontal, a região do cérebro responsáve­l pelo pensamento racional. Segundo os investigad­ores, um córtex pré-frontal forte pode dominar as amígdalas, o hipotálamo e até a circunvala­ção cingulada anterior, regiões do cérebro menos evoluídas que regulam a sua resposta ao stress. E não é isto que todos nós precisamos? Uma nova forma de poder fugir ao stress e "recuperar" um pouco a sanidade mental?

Como não podia deixar de ser, a Men's Health está aqui para lhe facilitar a vida: comece de forma fácil. Com a ajuda de um cronómetro, leve dez minutos a encontrar um sítio cómodo para se sentar (não tem exatamente que ser uma esteira de bambu com as pernas cruzadas). Ponha as costas direitas, relaxe os ombros, feche os olhos e controle a respiração.

O mais importante é que esteja consciente de que se se desviar do caminho da multitaref­a conseguirá ser mais produtivo, cometer menos erros e libertar-se do stress. Ou seja… acabe de ler este artigo antes de enviar um whatsapp!

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