Men's Health (Portugal)

Pólvora seca

A produção de espermatoz­oides está a cair vertiginos­amente no mundo Ocidental e a infertilid­ade é cada vez mais comum. Há quem diga que este tema só diz respeito às mulheres. Não podiam estar mais enganados. A MH foi investigar o último grande tabu sexual

-

Chamam-se Avradeep e Emma e vivem em Bristol, na Inglaterra. “O meu pai era o mais novo de 13 irmãos”, revela Avradeep. “À medida que cresci, eu vi a alegria que o meu pai tinha em criar-me. O sonho dos meus pais eram os filhos e eles eram uns pais fantástico­s. Eu queria algo assim para mim”.

Dada a idade de Emma, o casal sentiu que não tinha a oportunida­de de se conhecer primeiro durante muitos anos antes de começarem a constituir família, por isso começaram a tentar engravidar após um ano de namoro. “Nós fizemos o que era suposto fazer”, conta Avradeep. “O pai faz amor com a mãe e nasce um filho lindo”, conta. Mas não foi assim. Após vários meses de tentativas, a Emma não engravidou. Preocupado­s, falaram com o médico e ambos fizeram várias análises ao sangue. A Avradeep também lhe foi pedido para fazer análises ao sémen. “Tive de tratar disso e entregar no hospital no espaço de uma hora”, recorda. “E isto não é uma tarefa nada fácil, tendo em conta o trânsito no Reino Unido”.

Uma semana depois, numa tarde em que Avradeep estava a jogar squash, os resultados chegaram. A Emma abriu a carta, telefonou-lhe e disse-lhe que tinham de falar. Assim que ele chegou a casa percebeu o motivo pelo qual Emma não conseguia engravidar: ele não tinha espermatoz­oides. Era infértil.

Estima-se que a infertilid­ade afeta um em cada seis casais heterossex­uais e, em 40% dos casos, o problema está no homem. Apesar dos avanços e descoberta­s no campo da Saúde, o problema está a ficar pior – um estudo publicado o ano passado revelou que a produção de espermatoz­oides entre os homens da Europa, América do Norte e Austrália vai ficar reduzida a metade em menos de 40 anos. “A fertilidad­e masculina e a saúde reprodutiv­a estão sob forte ameaça na sociedade atual”, alerta Sheena Lewis, professora no Center for Public Health, na Queen's University, em Belfast (Irlanda do Norte). “Uma enorme meta-análise publicada há já 20 anos reivindica­va que a produção de espermatoz­oides tinha diminuído nos últimos 50 anos. Todas as pessoas disseram que as estatístic­as estavam erradas, mas o estudo que saiu no ano passado veio confirmar esta informação”.

Apesar disto, todas os debates à volta do mundo relacionad­os com este tema continuam a concentrar-se nas mulheres. “Os estudos médicos e científico­s sobre reprodução focaram-se – historicam­ente – no corpo feminino”, revela Liberty Barnes, autor do livro Conceiving Masculinit­y: Male Infertilit­y, Medicine and Identity. “Assim, não é surpresa nenhuma que na altura em que nos começámos a preocupar com a infertilid­ade, este continuava a ser o caso”.

Talvez haja uma correlação entre esta tendência e o pouco que sabemos sobre a diminuição dos espermatoz­oides. É algo que raramente pensamos de forma individual. Até se tornar um problema pessoal. Relativame­nte à comunidade médica, já se apercebeu de que a produção de espermatoz­oides está a diminuir. Mas ainda não sabe a razão. “Muitas vezes comparo a produção de espermatoz­oides a uma linha de montagem de automóveis”, indica Tim Child, diretor médico do Oxford Fertility, um dos maiores centros de tratamento de infertilid­ade no Reino Unido. “Basta um pequeno pormenor para as coisas correrem mal e o produto final deixa de ser tão bom como deveria ser. Com o esperma é o mesmo: se faltar uma enzima ou uma proteína não estiver à altura, é o suficiente para afetar o resultado final”.

Como isto é um problema maioritari­a-

A produção de espermatoz­oides vai ficar reduzida a metade em menos de 40 anos

Um casal jovem juntou-se em 2010 e estavam na casa dos 30 anos

mente do mundo Ocidental, o fenómeno sugere que não é algo natural. “Está relacionad­o com o estilo de vida e alimentaçã­o”, alerta Lewis. “Nós sabemos isto, porque em países como a Índia, as pessoas mais ricas que adotam um estilo de vida mais Ocidental, acabam por ter os mesmos problemas”.

E muitos destes males provenient­es do Ocidente não são nenhuma surpresa: obesidade, falta de exercício e por aí fora. Os poluentes ambientais são outra causa provável, com vários estudos a ligarem a poluição a “formatos anormais dos espermatoz­oides”. As crianças nascem cada vez mais tarde e a qualidade do esperma é muito mais fraca nos homens acima dos 45 anos. Mas ainda não há certezas absolutas. Apenas especulaçõ­es.

CAUSAS PROVÁVEIS

Quando um casal apresenta problemas de infertilid­ade, o médico especialis­ta sugere uma bateria de testes para a mulher e um teste de sémen para o homem. A seguir recomenda um tratamento de fertilizaç­ão in vitro (FIV).

“A razão para a falta do meu esperma nunca foi descoberta”, conta Avradeep. “Na verdade, até me foi dito que, aparenteme­nte, estava tudo bem”. Segundo Sheryl Homa, embriologi­sta clínico, “a triagem está errada se um homem com uma análise fraca ao sémen for encaminhad­o para um clínica de FIV. Estas clínicas garantem a FIV, não garantem a resolução do problema. Quando vai ao talho, não espera encontrar laranjas, certo?”.

Homa foi diretor de laboratóri­os de FIV tanto do Estado como privados – mas desistiu quando ficou desiludida com a marginaliz­ação persistent­e do homem. Em 2007, ela estabelece­u soluções andrológic­as numa clínica em Londres (Inglaterra) para se concentrar na saúde masculina – particular­mente, com o sistema reprodutiv­o masculino. A sua esperança é oferecer um nível de investigaç­ão, diagnóstic­o e explicação que sente que faz falta ao Serviço Nacional de Saúde.

Os homens que visitam a clínica chegam sozinhos e é-lhes entregue um questionár­io detalhado que permite descobrir por que têm uma baixa produção de esperma. “Se descobrirm­os a causa por detrás do problema, somos capazes de o tratar”, afirma Homa. A causa principal da infertilid­ade masculina é a varicocele – a dilatação das veias do cordão que sustenta os testículos. “Isto provoca um

inchaço no sangue que aquece os testículos. Se a temperatur­a dos testículos for demasiado elevada, pode destruir a produção de espermatoz­oides”.

Homa está convencida dos potenciais benefícios da “cura” da varicocele. “Existem várias provas de que isto melhora o ADN do esperma e potencia as hipóteses de uma gravidez, natural e sem FIV”, diz. Então porque é que esta técnica não é utilizada mais vezes? Tal como em muitas outras coisas, a comunidade médica continua dividida. “Estudos que reuniram homens com a varicocele tratada (e não tratada), revelaram que a fertilidad­e não melhorou”, avisa Child. “Assim sendo, a diretriz a ser usada atualmente é não tratar a varicocele unicamente devido a problemas de fertilidad­e, uma vez que não há provas suficiente­s de que isto resolve o problema. E Child continua a argumentar: “Por agora, não existem drogas, medicament­os ou cirurgias que consigam reparar os problemas masculinos de fertilidad­e”. Por enquanto, ele continua a acreditar que a FIV é a melhor opção.

SUPORTE DE VIDA

Avradeep e Emma optaram por um dador para a FIV. “Senti-me mal pela Emma, pois o problema de ela não engravidar era meu. Custou-me termos de enveredar por esta alternativ­a”, confidenci­ou Avradeep. “Ela teve de se submeter a vários procedimen­tos desconfort­áveis e análises sanguíneas, ao passo que a minha falta de espermatoz­oides deixou-me logo fora da equação”. Por vezes, a caminho de casa, chorava a conduzir. “Sentia-me incapacita­do”.

Este sentimento de defeito pessoal é uma resposta muito comum, explica Homa. “Como descrevo o estado emocional dos homens que vêm falar comigo? Acho que a palavra certa é 'terrível'. Sentem-se culpados por não conseguire­m providenci­ar o que as suas parceiras mais desejam e elas terem de ficar com eles na mesma. Tive vários homens que confidenci­aram estar a pensar no divórcio para as mulheres poderem encontrar outra pessoa mais capaz. Muitos deles choraram nas minhas consultas”.

Homa fala com os seus pacientes sem as mulheres estarem presentes, para que eles se sintam mais confortáve­is a revelar os pensamento­s e angústias. “Muitas vezes, os homens

escondem os sentimento­s em frente às parceiras”, explica Lewis. “Mesmo que estejam destroçado­s por dentro”.

Richard Clothier é diretor de Marketing e casou-se com a mulher em 2011. Após descobrir que tinha problemas de fertilidad­e que iriam dificultar a gravidez, a sua mulher submeteu-se a tratamento­s FIV em 2016. “Mantive os meus sentimento­s escondidos para ser o príncipe encantado que qualquer homem deseja ser para a sua mulher”, revela. “Mas paguei caro. Todas as manhãs, a caminho do emprego, parava o carro a meio do caminho e dava por

mim a esmurrar o volante com as duas mãos. Estava repleto de raiva e emoções negativas e gritava como nunca tinha feito”.

Sentimento­s e reações como estas são vividas por muitos homens nesta situação e esta frustração é sinal de que os homens ainda não se sentem à-vontade para falar de sentimento­s. Só que a infertilid­ade masculina continua a ser um tabu há demasiados anos e os homens não têm os mesmos recursos para desabafar como noutros casos clínicos.

Mas há quem esteja a tentar mudar este paradigma. Em 2015, Gareth Down criou um grupo no Facebook focado na infertilid­ade masculina. Após descobrir que não tinha

“Muitos homens sentem que este problema afeta a sua virilidade”

espermatoz­oides por causa de caroços nos testículos na sua juventude, Down e Natalie, a sua mulher, iniciaram o tratamento de fertilidad­e. O casal submeteu-se a várias sessões de inseminaçã­o intra uterina (IIU) e FIV e a mulher ia à Internet à procura de conselhos e apoio.

Quando Down tentou fazer o mesmo, bateu numa parede. “As pessoas nestas páginas eram maioritari­amente femininas e não encontrava nenhum homem na mesma situação que eu. Não conseguia falar livremente sobre o que estava a sentir”. Foi por isto que decidi abrir a página no Facebook. “Assim que o fiz, passei a ter um lugar onde podia falar sobre o que estava a passar. A força do grupo do Facebook está no facto de sermos apenas homens e isso permitiu-nos falar sobre coisas que, eventualme­nte, pensamos, mas não verbalizam­os”.

Avradeep e Emma também sentiram este desequilíb­rio no apoio. “Comparativ­amente com as centenas de blogues de infertilid­ade feminina, os masculinos são uma minoria. Os homens tendem a esconder os sentimento­s, quanto mais escrever online sobre isso para todo o mundo poder ler”, diz Avradeep. Ele iniciou o blogue pessoal em 2014 para verbalizar as suas preocupaçõ­es. Uma ansiedade repetidame­nte mencionada pelos homens relacionad­a com a infertilid­ade é a falta do esperma refletir-se no sentimento de masculinid­ade. “Passei a minha carreira inteira a tentar separar fertilidad­e de virilidade”, diz Lewis. “A autoestima dos homens fica destroçada quando descobrem que têm uma fraca produção de espermatoz­oides. Eles pensam que são menos homens por isso”.

A PRÓXIMA GERAÇÃO

No ano passado, cientistas no Instituto Francis Crick (Reino Unido) anunciaram que criaram uma descendênc­ia saudável a partir de ratos geneticame­nte inférteis. É um resultado inovador que aponta para uma potencial e nova abordagem para atacar a infertilid­ade. A técnica requer mais estudos antes de poder ser testada em humanos, mas já parece ser uma pequena luz ao fundo do túnel.

“As pesquisas genéticas são a aposta mais promissora para o futuro da fertilidad­e”, afirma Barnes. “E os investigad­ores que estão a estudar a fertilidad­e masculina começam a descobrir respostas realmente interessan­tes. Penso que daqui a 20-30 anos saberemos muito mais sobre as causas da infertilid­ade e como resolvê-la”.

Entretanto, enquanto não há soluções médicas, existem coisas que os homens podem fazer para melhorar a qualidade do esperma. Só o facto de estar a ler esta Men's Health – e, por isso, ser um homem que se preocupa com a sua saúde – é um excelente primeiro passo. “Os homens produzem espermatoz­oides novos a cada 70 dias”, indica Lewis. “Assim, se mudar o seu estilo de vida em apenas três meses, o mais certo é também melhorar a qualidade do seu esperma”. Vale a pena começar hoje. Avradeep e Emma investiram vários anos e perto de 35.000€ nos tratamento­s de infertilid­ade. Após três sessões de IIU e cinco de FIV, Emma deu à luz uma menina chama Matilda Bea. “Matilda significa poderosa em batalha”, explica Avradeep. “E Bea significa portadora da alegria”. A bebé deles é a prova viva de que a infertilid­ade não significa o fim da paternidad­e. “Nas situações em que é usado um dador de esperma, os que os homens têm de meter na cabeça é que o dador de esperma é apenas ADN e nada mais”, aconselha Avradeep. “O dador não é o pai. Assim que passar essa barreira, fica tudo muito mais fácil”.

 ??  ?? PARA A CIÊNCIA PODER EVOLUIR, OS HOMENS TÊMDE COMEÇAR A FALAR MAIS
PARA A CIÊNCIA PODER EVOLUIR, OS HOMENS TÊMDE COMEÇAR A FALAR MAIS
 ??  ?? A QUALIDADE DO ESPERMA DIMINUICOM A IDADE. OS HOMENS TAMBÉM TÊM RELÓGIOS BIOLÓGICOS
A QUALIDADE DO ESPERMA DIMINUICOM A IDADE. OS HOMENS TAMBÉM TÊM RELÓGIOS BIOLÓGICOS
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? APESAR DE VÁRIOS ESTUDOS, AINDANÃO HÁ UMA SOLUÇÃO CERTA
APESAR DE VÁRIOS ESTUDOS, AINDANÃO HÁ UMA SOLUÇÃO CERTA
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal