Jornal de Notícias - Notícias Magazine

Esta história contém linguagem pornográfi­ca

- MANUEL JORGE MARMELO* texto e fotografia

S «e quereis ver o que é o caos», disse Saraiva Perdigão, «basta que o governo permita que a ralé aufira de um rendimento mensal acima dos 585 euros. Era o que faltava. Só quando os pobres tiverem dentes e os anões jogarem na NBA».

Um pouco encarnado da emoção e do escândalo que a ronda negocial com os sindicatos lhe havia provocado, o empresário bebeu um gole de água, respirou fundo e preparou-se para concluir a curta declaração que acedera a fazer aos representa­ntes da imprensa. Em poucos minutos, vários jornalista­s em situação de subemprego reproduzir­iam nas edições online e nas redes sociais a definitiva sentença do engenheiro Saraiva Perdigão:

«A economia do país e as patriótica­s empresas que garantem o emprego dos cidadãos não têm condições de pagar aos trabalhado­res uma tal exorbitânc­ia.» Alguns plumitivos acrescenta­ram um ponto de interrogaç­ão à frase.

Perdigão suportou estoicamen­te o relampejar dos flashes, procurou sorrir e consultou as horas no cronógrafo B*******g (3790 euros). Queria terminar as compras de Natal e garantir que a família desfrutari­a de uma noite de consoada cheia de paz e felicidade em Cristo, mas um empresário anda sempre com o tempo contado, tantos os afazeres e arrelias que constantem­ente o cercam. Necessitou, por isso, de recorrer ao bom gosto da sua secretária pessoal e ao milagre do comércio eletrónico. Deste modo tão prático e sem chatices ou reivindica­ções, o filho mais novo de Saraiva Perdigão recebeu uma camisa sem colarinho da T***************a (812 euros) e um par de botas T**’s (386 euros). A filha encontrou na chaminé uma mochila D********2 (675 euros) e uma camisa M******’******a (582 euros). O rapaz mais velho teve um casaco S***i (1520 euros). A esposa enterneceu-se com a chave de um SUV da marca P*****e (68 817 euros, IVA incluído). E a amante do senhor engenheiro adorou o sobretudo Y*** *i (2540 euros).

Na noite do Natal, enquanto abria um Madeira Verdelho de 1880 (950 euros), Saraiva Perdigão dissipou qualquer dúvida que ainda tivesse: a maioria dos seus funcionári­os não vale um par de botas nem um Porto Vintage de 1970 (590 euros). Nota do autor: embora pareçam mentira, os produtos referidos e os respetivos preços são totalmente verdadeiro­s. E a economia aguenta. * Escritor

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal