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veem notícias?

COM OS MIÚDOS NA SALA, À HORA DO NOTICIÁRIO, A TELEVISÃO DEVE ESTAR LIGADA OU DESLIGADA? OS PAIS HESITAM ENTRE A VONTADE DE AS POUPAR A MÁS NOTÍCIAS E A VIOLÊNCIA E A NOÇÃO DE QUE VEDAR-LHES O ACESSO À REALIDADE PODE NÃO SER A MELHOR SOLUÇÃO. A RESPOSTA P

- Texto Sofia Teixeira Ilustração Shuttersto­ck

A partir de que idade é que uma criança pode ver o notíciário? E como responder às perguntas sobre fogos, crimes, violência e corrupção?

Ver os noticiário­s é um desafio ao otimismo: guerra, terrorismo, fome, desemprego, violência doméstica, incêndios, cheias, tempestade­s tropicais. Mas é uma das formas que temos de estar informados acerca do que se passa no mundo. O que fazer, no entanto, em relação às crianças? Devemos deixar que estejam na sala quando está a dar o telejornal, começar desde cedo a chamar-lhes a atenção para as notícias ou, até certa idade, elas passam melhor sem saber que o mundo, por vezes, é um lugar um pouco menos simpático do que a casa em que vivem e a escola que frequentam?

Em casa de Patrícia Silva e das filhas, Carolina e Rute, de 10 e 3 anos, não há televisão ligada nos noticiário­s quando elas estão por perto. A mãe é perentória em relação a isso: «Não deixo que vejam: há sempre imagens e assuntos que não considero adequados para elas», defende. Reconhece que a mais velha, com 10 anos, já deve começar a estar informada, mas como o mundo às vezes é tão feio prefere poupá-la por enquanto. «Ela é muito sensível e já não era a primeira vez que ficava mesmo muito impression­ada com notícias. Na verdade, até eu própria evito ver algumas coisas», confessa. «Se estivermos num sítio público não peço para desligarem a televisão nem saio do espaço por causa disso, mas em casa a televisão está formatada para canais infantis.»

Não era a primeira vez que uma televisão ligada lhe dava problemas que não sabia bem como resolver. «Há uns tempos viu uma notícia sobre uma violação. Como é que eu explico a uma criança de 10 anos o que é uma violação? Disse-lhe que um senhor desconheci­do tinha obrigado a menina a dar-lhe beijos na boca, como os namorados fazem. Mas até com isso a miúda ficou impression­ada. Não parava de perguntar porque é que senhora não lhe bateu e fugiu.»

A psicóloga clínica Cláudia Madeira Pereira entende que não há uma única resposta adequada a esta dúvida dos pais – deixar ou não ver? – nem uma idade que se possa ou deva fixar como baliza entre uma coisa e outra. «A prática clínica mostra-me que, independen­temente da idade, do nível de desenvolvi­mento e da maturidade, os conteúdos televisivo­s mediáticos podem interferir com o bem-estar psicológic­o das crianças e influencia­r a sua representa­ção da realidade.» A psicóloga entende que, além da idade, da maturidade e até da educação para os media, é importante considerar a sensibilid­ade e o desenvolvi­mento psicoemoci­onal das crianças quando se trata de permitir o visionamen­to de conteúdos televisivo­s. «E tão importante como isto tudo é a supervisão dos pais durante o visionamen­to.»

É importante para fazer a triagem entre o que pode ou não ser visto, mas também para perceber as reações ao que vê, até porque, quando as crianças têm acesso a conteúdos mediáticos de difícil compreensã­o, é essencial que sejam os pais a ajudá-las a resolver o conflito que a criança vive: «Entre a necessidad­e de saber o que está a acontecer e o mal-estar que esse "saber" provoca nelas.» Para isto, defende, é fundamenta­l que os pais procurem ajudar a criança a falar sobre o que viu e a

interpreta­r os significad­os que atribui ao que viu, ajudando -a a compreende­r a informação de acordo com a sua idade, nível de desenvolvi­mento e a sensibilid­ade particular.

Sara Pereira, professora associada da Universida­de do Minho, doutorada em Estudos da Criança e investigad­ora do Centro de Estudos de Comunicaçã­o e Sociedade, também da Universida­de do Minho, prefere a palavra «mediação»: um trabalho de explicação, diálogo e filtro – que não é apenas relativo aos media – e faz parte das funções parentais em tudo o que preenche o mundo da crianças, media incluídos.

A investigad­ora acredita que não se deve esconder às crianças o mundo em que vivem e que é importante que, desde pequenas, elas percebam que esse mundo tem coisas fantástica­s, mas também problemas, alguns muito sérios.

«O que os pais podem fazer em casa, mais do que esconder, será fazer mediação desses acontecime­ntos, ou seja, explicar o que se passa, de modo a que as crianças possam compreende­r. Se fecharmos as crianças ao mundo, ou o mundo às crianças, quando é que se considera que estão aptas a lidar com o que se passa à sua volta? O que se perde nesses anos em que as crianças estiveram fora desse mundo? Não me parece que haja uma idade adequada para "acordar" as crianças para a sua realidade», defende.

Margarida tem 7 anos eéa is soque está habituada quase desde sempre, ao início da noite a televisão é ligada no noticiário com ela presente. A mãe e o pai não acham que ela deva ser privada do contacto com a realidade. « Acho que é importante ela ir vendo e percebendo o que se passa no mundo, ainda que tenha uma perceção de acordo com a idade», conta a mãe, Sandra Isidro. A mãe ou o pai estão sempre por perto e se percebem que o que está a dar é violento mudam o canal.

Mas este mudar decanalé mais aexceção do que a norma: o que fazem habitualme­nte, quando as notícias são más,é falar com a filha sobre os assuntos, fazendo uma explicação adaptada à idade. «Neste verão, por exemplo, ficou preocupada com todas as imagens de incêndios. Explicámos o problema de forma a poder entender, falámos do que pode fazer para prevenir incêndios e também de como podíamos ajudar as pessoas que ficaram sem casa.» Naturalmen­te que a filha ainda liga pouco às notícias. Se estão a dar desenhos animados não tira os olhos do ecrã, durante o telejornal a atenção costuma ser pouca. « Acredito que noventa por cento do que vê lhe passe ao lado ou não perceba bem, mas também acho que alguma coisa há de lá ficar. Noto, por exemplo, que presta mais atenção ao que lhe interessa, se aparece uma coisa relacionad­a com o contexto escolar fica mais atenta.»

« A partir dos 8 anos, as crianças são capazes de distinguir fantasia de realidade, de compreende­r que as notícias correspond­em a algo que efetivamen­te acontece e de compreende­r a relevância social destes assuntos, de modo que é sobretudo a partir destas idades que deve prevalecer uma mediação mais ativa», defende Patrícia Silveira, professora na área de Ciências da Comunicaçã­o na Universida­de Católica e na Universida­de Europeia e coautora do livro Tratar os Media por Tu – Guia Prático de Educação para os Media, publicado pela Direção- Geral da Educação.

Mesmo a salvaguard­a das crianças de imagens violentas não é unânime: a exposição a conteúdos de natureza violenta existe e é impossível controlar-lhes totalmente o acesso sobretudo numa época em que as crianças, desde cedo, têm acesso ao mundo através de múltiplas plataforma­s tecnológic­as, por isso, Patrícia Silveira – autora de uma tese de douturamen­to sobre as crianças e as notícias – garante que as medidas restritiva­s ou proibitiva­s não são a melhor solução.

«Podem gerar o efeito contrário, que se traduz na permanênci­a de medos e de dúvidas em relação aos assuntos. Mesmo que haja a tentativa de proibir, em algum momento as crianças contactarã­o ou já contactara­m com esses assuntos.» A investigad­ora concluiu num estudo recente que há notícias de cariz violento que perturbam e deixam as crianças preocupada­s, às quais preferiam não estar expostas de modo tão permanente e sobre as quais gostariam de receber explicação.

Embora reconhecen­do que cada caso é um caso, defende que o melhor «é controlar o acesso a notícias de cariz violento, e complement­ar essa ação com uma mediação avaliativa, que consiste num acompanham­ento mais permanente e numa explicação cuidada dos assuntos. Ao mesmo tempo, é importante ouvir as crianças, as suas dúvidas, e esclarecer os seus medos».

Este tipo de mediação, defende, traz muitos mais benefícios do que optar por proibir totalmente o acesso a estas notícias: vai sempre chegar o dia em que os miúdos serão confrontad­os com elas.

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