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A DOENTE

« VÃO SER OS MELHORES ANOS DAS NOSSAS VIDAS »

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Quando tive o cancro na mama esquerda, em 1989, perguntei ao médico quanto tempo tinha para viver. O cancro tinha muitas metástases, estava complicado. Ele disse: «Dois ou três anos.» Despedi-me do Diário de Notícias e disse ao meu marido: «Vão ser os melhores anos das nossas vidas.» Nunca fizemos do cancro um drama, a questão foi sempre aguentar. Não me lembro de alguma vez ter chorado sobre isso. A minha amiga Manuela Maria dizia sempre assim: «Não me apetece nada morrer.» E acho que isso é importante para a evolução da doença. Tive sempre essa atitude.

Quando o médico me mandou para o IPO para ser operada, perguntou -me: « Como vamos dizer isto ao seu marido?» O médico sabia que a mim me podiam dizer tudo, mas tinha receio da reação dele. O meu marido apoiou- me sempre. De forma inquestion­ável Eu viajei, trabalhei muito e ele aguentava a casa e os filhos. Nunca senti rejeição da parte dele, nem mesmo física. Fui operada no dia 14 de fevereiro e nós íamos sempre almoçar ou jantar nesse dia. Não estávamos a comemorar o Dia dos Namorados porque nunca fomos dessas coisas, mas ele oferecia-me sempre uma caneta por ter passado mais um ano. Ano após ano fui percebendo que o diagnóstic­o inicial estava errado. Recebi 13 canetas, até à morte do meu marido.

Há seis anos comecei com dores no osso esterno e o meu oncologist­a disse de imediato: « Já para o IPO.» Há vinte anos as técnicas não estavam tão evoluídas como estão hoje e acontece a algumas pessoas que a rádio acumulada durante os tratamento­s acaba por potenciar tumores. Sendo no esterno, não são operáveis. Tenho 74 anos, sou vista de três em três meses e ao primeiro sinal marcho logo para lá. Sou doente crónica do IPO. No primeiro andar tenho a oncologia, no segundo andar tenho a psicóloga. Funciono em todos os andares e sou muito popular por lá. É irónico, mas se não tivesse feito os tratamento­s com a rádio há vinte anos se calhar teria morrido.

 ??  ?? Alice Vieira teve cancro da mama há trinta anos. Deram-lhe três anos de vida. Os tratamento­s que a salvaram provocaram-lhe outro tumor.
Alice Vieira teve cancro da mama há trinta anos. Deram-lhe três anos de vida. Os tratamento­s que a salvaram provocaram-lhe outro tumor.

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