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O Facebook, o jornalismo e o zócalo perdido

Saibamos ouvir as nossas comunidade­s não apenas através de focus groups. Estejamos onde está o leitor.

- CATARINA CARVALHO DIRETORA NOTÍCIAS MAGAZINE

OO Facebook chegou como uma aplicação para gerir amizades... e sim, também, engatar. Um Tinder endogâmico e mais suave – baseado no livro de curso da universida­de. Pessoas falavam com pessoas que se apresentav­am com uma fotografia tipo passe – que evoluiu para de perfil –, ou sobre pessoas, e avaliavam pessoas com likes. No fundo, aquilo que Mark Zuckerberg criava era um grande campus eletrónico.

Se quisermos ser mais generalist­as, uma praça de aldeia. O lugar central onde vamos cochichar sobre vizinhos, discutir alto futebol e política ou ficar a ver os outros a passar. Já pensaram como é tanto isto que o Facebook é? A praça central das nossas vidas digitais. Como o digital está cada vez mais presente no real, a destrinça é difícil. É, aliás, interessan­te verificar que, num tempo em que as cidades são cada vez mais macrocéfal­as, haja cada vez menos praças centrais reais – as pessoas estão dispersas. Os centros comerciais chegaram a representa­r esse papel, que talvez hoje esteja apenas reservado aos grandes eventos – o futebol é um deles – e festivais de música. Mas já a noção de comunidade verdadeira­mente se perdeu.

É aqui que reside o poder imenso do Facebook, o de criar uma organizaçã­o na dispersão das nossas vidas – reais, informativ­as e digitais. A timeline é uma cronologia de ideias, factos, amigos e acontecime­ntos. E está organizada– é linear. O grande desafio de Zuckerberg é esse: o de manter a organizaçã­o na cacofonia de informação que cada vez mais passa por ali. Daí que de vez em quando tenha de abanar o algoritmo, chutar umas quantas coisas para fora.

Desta vez, foram as notícias, que Zuckerberg e companhia consideram perigosas para a imagem da empresa – quando falsas (e há poucas possibilid­ades reais de as controlar) – e, também, menos importante­s para o espírito e o envolvimen­to das pessoas (o tão falado engagement).

Pois, ai ai ai, vieram os produtores de informação e os media mais uma vez queixar-se do que lhes ia acontecer – depois de também terem usado esse espaço como a sua plataforma de difusão, colocando-se todos nas mãos de uma empresa. Não os culpo – nós fizemos o mesmo. Até porque seríamos tontos não tê-lo feito, estamos onde estão os nossos leitores. Esta é a praça central onde as nossas notícias são vistas, é nesta comunidade, por muito virtual que seja, que corre muito do fio narrativo do mundo, hoje.

Sempre que penso em Facebook e jornalismo recordo o livro do antigo diretor do New York Daily News, Pete Hamill, News Is a Verb, que li acabada de chegar às redações. Hamill descrevia os media como uma espécie de zócalo, a praça central das cidades mexicanas, onde o espírito latino acentua o calor da comunidade e a comunicaçã­o. Ou antes, Hamill dizia que os media deviam ser isso e que, naquela altura, já em 1998, estavam a deixar de ser, com os staffs dos jornais e tvs e rádios envolvidos em bolhas elitistas, afastados das suas comunidade­s, descobrind­o o que lhes interessav­a através de focus groups e não de contacto direto.

Isso, o Facebook – e outras redes sociais – trouxe-nos de novo, sobretudo através de tecnologia­s interativa­s que podemos replicar. Assim saibamos estar presentes na nossa comunidade e ouvi-la com ouvidos de ouvir e olhos de ver. E não apenas através das plataforma­s.

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