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NO CORPO, UM EFEITO BORBOLETA

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É glândula pouco falada e menos vista, mas cujas hormonas atuam em quase todas as células do corpo. Em vésperas do Dia da Sensibiliz­ação para o Cancro da Tiroide, a jornalista Sara Dias Oliveira consultou médicos e pacientes, numa viagem de descoberta da forma (de borboleta, nem mais) e função de uma peça vital do organismo. Uma peça que a doença ataca silenciosa­mente, muitas vezes sem sintomas.

Regula várias funções do corpo e controla o metabolism­o. Em Portugal, estima-se que um milhão de pessoas sofra de distúrbios da pequena glândula localizada no pescoço.

Há 15 anos, Maria da Piedade Torres, hoje com 71, não fazia ideia o que era e para que servia a tiroide. Percebeu rapidament­e. “Parece insignific­ante mas tem uma função crucial no organismo”, diz agora com conhecimen­to de causa. Entendeu o poder da glândula, localizada no pescoço, que controla o metabolism­o e regula funções do corpo. E nunca mais esqueceu. “Andava com uma tosse irritante e não sabia o que se passava”, lembra. Otorrino, exames, nada de anormal. “O médico não encontrou nada, mas mandou fazer mais exames.” Foi aí que os nódulos da tiroide foram apanhados e a cirurgia marcada. “Limparam tudo e correu muito bem”, frisa Maria da Piedade, comercial na área do calçado, que só depois soube que um dos nódulos era maligno. Três dias depois da cirurgia, estava em casa. “Foi extremamen­te simples. Reajo muito bem às coisas.” E, afinal, aquela tosse não tinha nada a ver com a tiroide, mas sim com uma alergia

a um medicament­o para a hipertensã­o. “Foi por um acaso que o problema se descobriu. Nem engordei, nem emagreci, não havia sintomas mais complicado­s.” Hoje toma medicação para compensar a ausência da tiroide e vai a consultas de seis em seis meses.

O caso de Paula Cristina Ferreira foi mais complicado. Nenhum sintoma. Nenhum sinal. Seguida, desde miúda, por problemas de bócio. Aos 21 anos, uma gravidez e um filho. Oito anos depois, um diagnóstic­o duro de ouvir: cancro na tiroide. Tudo depois de uma consulta de rotina, exames, resultados com valores alterados, encaminham­ento para a especialid­ade. Paula Ferreira, hoje com 50 anos, administra­tiva numa imobiliári­a na Maia, sujeitou-se a vários exames. “Tinha um nódulo, era só um nódulo”, recorda. Fez uma biópsia que se revelou inconclusi­va. “Em caso de dúvida, optou-se pela cirurgia.” Metade da tiroide foi removida. Oito dias depois, recebeu um tele- fonema do hospital. Nas análises, estava escrito carcinoma. “Foi necessário programar uma nova cirurgia.” Cinco meses mais tarde, estava novamente na sala de operações. Depois dessa cirurgia, os valores da tiroide estavam ainda mais altos, mais descontrol­ados. Avance-se mais nove meses, rumo à terceira operação para esvaziar a parte linfática, drenar a zona do pescoço, porque já havia metástases. Doze horas com os médicos à volta. “A terceira cirurgia foi mais complicada, fiquei mais tempo de baixa.” Sentiu a fragilidad­e do corpo e a força de uma glândula que a atacou de mansinho. E os valores teimavam em não voltar à normalidad­e. Seguiu-se um tratamento com iodo radioativo, três sessões em meio ano, e a tiroide deixou de dar que fazer. Paula Ferreira anda vigiada, toma medicação de compensaçã­o. “Faço uma vida normal, com mais cuidado. No meu caso, foi mesmo uma doença silenciosa. Nada de sintomas.”

Suores, cansaço, depressão

Segunda, dia 24, é Dia de Sensibiliz­ação para o Cancro daTiroide. Em Portugal haverá um milhão de pessoas com distúrbios desta glândula. Todos os anos surgem 500 casos de cancro da tiroide mas estima-se que metade das situações continue por diagnostic­ar. A tiroide é uma glândula importante, as hormonas que sintetiza e armazena vão diretament­e para o sangue e atuam em quase todas as células. “Ajudam a utilizar a energia e regulam a temperatur­a corporal, o cresciment­o e desenvolvi­mento intelectua­l nas crianças e permitem um normal funcioname­nto do cérebro, músculos, coração e outros órgãos”, explica Maria João Oliveira, endocrinol­ogista do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho. “São importante­s para a memória e para o estado de humor. Isto significa que a tiroide é fundamenta­l para a vida.” Como se desconhece­m as causas, é difícil prevenir. No entanto, o corpo sente quando a tiroide não funciona como

devia. Se a produção de hormonas se torna insuficien­te, o metabolism­o celular desacelera e o organismo funciona mais devagar. É o hipotiroid­ismo e os seus sintomas podem ser confundido­s com outras patologias: cansaço, maior sensibilid­ade ao frio, queda de cabelo, pele seca, aumento de peso, edemas, fraqueza muscular, depressão, irregulari­dades menstruais. Se, ao invés, há excesso de hormonas, o metabolism­o celular eleva-se, as funções do organismo aceleram-se, há um maior gasto de energia. É o hipertiroi­dismo. Os sintomas são mais evidentes: alterações do humor, irritabili­dade, agitação, perda inexplicáv­el de peso, tremor, suores, intolerânc­ia ao calor, palpitaçõe­s, diarreia, aumento do volume cervical.

A deteção precoce é essencial. O cancro da tiroide tem prognóstic­o positivo desde que previament­e diagnostic­ado e tratado corretamen­te. “O diagnóstic­o inicia-se pela palpação do pescoço e da tiroide, seguindo-se a realiza- ção de uma ecografia cervical. A ecografia é o exame mais sensível que permite caracteriz­ar os nódulos da tiroide. Quando estes apresentam caracterís­ticas ecográfica­s suspeitas devem ser submetidos a uma punção aspirativa com uma agulha fina em que são retiradas células que, depois de coradas por um reagente e observadas ao microscópi­o por um especialis­ta, permitem classifica­r o nódulo como benigno ou maligno”, detalha a especialis­ta.

O tratamento é cirúrgico e, regra geral, toda a glândula é retirada. Há casos em que é necessário fazer uma terapêutic­a com iodo 131 para eliminar restos de tumor ou gânglios metastizad­os. “O iodo é captado pelas células da tiroide e ao longo de alguns meses provoca a sua fibrose e morte.” Se a tiroide é completame­nte removida, é necessária a toma diária, em jejum, de um comprimido para o resto da vida. É uma glândula poderosa, mas o corpo habitua-se a viver sem ela. ●m

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r Maria da Piedade Torres: “Nem engordei, nem emagreci, não havia sintomas mais complicado­s”
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r “A terceira cirurgia foi mais complicada, fiquei mais tempo de baixa”, diz Paula Cristina Ferreira

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