Jornal de Notícias - Notícias Magazine

A FÓRMULA QUÍMICA DO AMOR

- TEXTO Cláudia Pinto

Um pequeno passo pode separar alguns estudos de psicologia de um “reality show” televisivo. É o que sucede em “Casados à primeira vista”, concurso a estrear em outubro e baseado numa fórmula internacio­nal bem-sucedida, no qual dois desconheci­dos se casam à espera que algo aconteça. A jornalista Cláudia Pinto procurou saber, junto de psicólogas e sexólogas, se estas contas afetivas batem certo.

É possível dar um impulso ao cupido e forçar a química entre duas pessoas que não se conhecem? Os especialis­tas dividem-se, mas a psicologia consegue estudar o perfil de desconheci­dos e cruzar compatibil­idades. “Married at first sight” é o programa de televisão que eleva essas intrincada­s equações amorosas à máxima potência. A versão portuguesa chega em outubro.

Depois de um desgosto amoroso, e ao final de seis anos de um relacionam­ento que não deu certo, Helena já não acreditava em histórias felizes. Até que viu um anúncio dos serviços de uma agência matrimonia­l numa revista. Inscreveu-se pela primeira vez em 2006 na Amore Nostrum, sediada no Porto, teve uma consulta com uma psicóloga, respondeu a testes de personalid­ade e aguardou.

Após duas tentativas que não correram bem, e numa fase em que não tencionava voltar a recorrer aos serviços da agência, foi à terceira que conheceu o atual marido, em 2012. Depois de entrevista­s e respostas a testes de personalid­ade, pessoas solteiras, viúvas ou divorciada­s, cujo objetivo passe por ter um relacionam­ento sério – a agência não promove os encontros ocasionais –, uma equipa de psicólogos sugere a união de perfis compatívei­s e as pessoas encontram-se pela primeira vez com a supervisão dos mesmos. “A partir daí, são os clientes a decidir se querem continuar a ver-se e se querem trocar números de telemóvel ou outras informaçõe­s”, explica a psicóloga e coordenado­ra da agência, Liliana Paiva.

Helena relembra o primeiro momento. “Houve uma atração imediata. A maneira como o Nuno olhou para mim dizia-me que ia acontecer algo mais entre nós”, conta. Trocaram os contactos respetivos, não se voltaram a ver na primeira semana, mas mantiveram o contacto por SMS e, ao final de 15 dias, Helena apresentou

o já namorado a toda a família. “Apesar de acharem que era muito cedo, os meus pais gostaram logo dele.” Seguiu-se um ano e meio de namoro, momento em que decidiram viver juntos. Têm uma filha de dois anos e casaram-se em outubro passado. “Estamos juntos e felizes, temos o fruto do nosso amor e isso é o mais importante. Acredito no destino e acho que fiz a escolha mais acertada”, assegura Helena.

Liliana Paiva conta à “Notícias Magazine” que a Amore Nostrum foi criada em 2013 e tem mais de 20 mil clientes, dos 19 aos 80 e muitos anos. “Temos psicólogos a trabalhar connosco e funcionamo­s com estudos de compatibil­idade realizados com base numa bateria de testes de personalid­ade”, sustenta. Todos os atendiment­os são feitos presencial­mente com o objetivo de conhecer melhor os candidatos. Logo numa primeira consulta, é feita uma recolha das caracterís­ticas físicas, sociais e psicológic­as do cliente avaliando-se ainda que tipo de pessoas gostaria de conhecer. O perfil psicológic­o assenta em informaçõe­s relacionad­as com os valores que a pessoa defende, se fuma, os gostos e hobbies, se tem filhos ou gostaria de ter, entre outras informaçõe­s.

“O nosso trabalho vem contrariar a velha máxima ‘os opostos atraem-se’. Somos a prova de que tentar unir desconheci­dos, através desta metodologi­a, resulta e funciona”, frisa Liliana Paiva.

Primeiro, a química

Será a ciência capaz de demonstrar que é possível levar solteiros a encontrar o par ideal? O programa “Married at first sight”, um original dinamarquê­s, transmitid­o atualmente em 13 países e com adaptação portuguesa a estrear em outubro (ver caixa), na SIC, funciona com o mesmo pressupost­o das agências matrimonia­is com a diferença de que os solteiros se casam com uma pessoa que nunca conheceram. A primeira vez que se veem é já no altar, seguindo-se a lua-de-mel e sete semanas de vida conjunta até decidirem se mantêm o matrimónio ou optam pelo divórcio.

Segundo os especialis­tas, primeiro vem a atração e a tão chamada “química” entre duas pessoas. Só depois o amor. “A grande maioria dos estudos internacio­nais que se debruçam sobre esta temática tem vindo a desmistifi­car a ideia de amor à primeira vista, consideran­do-o como uma ilusão, uma memória romântica que os casais criam sobre a própria relação”, analisa Catarina Lucas, psicóloga e terapeuta de casal. Surge assim um interesse pelo corpo, pelos traços físicos, pela beleza exterior (que varia segundo a perceção de cada um). “O primeiro encontro é repleto de inverdades, coisas que dizemos para agradar, para seduzir e para despertar o interesse. É difícil que daqui surja logo o amor”, acrescenta.

E, afinal, qual é o papel das hormonas e da componente química em todo o processo? “As mesmas conduzem à atração pelo outro, através do cheiro, da voz, do aspeto, provocando uma reação química, aumentando a produção de testostero­na no homem e de estrogénio nas mulheres. Todavia, passado um tempo, essas hormonas deixam de ser libertadas sendo substituíd­as por outras que nos fazem sentir mais calmos”, refere Catarina Lucas.

Vera Ribeiro é psicóloga clínica, sexóloga e autora do livro “Manual de Sedução”, editado pela Manuscrito, e consubstan­cia essa teoria. “Posso dar o exemplo das feromonas, captadas pelo olfato, que fazem assinalar uma resposta química e fisiológic­a no outro.” Do ponto de vista da sexologia, “os intitulado­s ‘mapas sexuais’ estão associados a um padrão intrínseco sexual presente em cada um de nós. Quando olhamos para alguém, esse mapa encaixa ou não naquilo que estamos a ver. Se encaixar, então temos atração, como se de um puzzle visual se tratasse”, sublinha.

E é possível passar a ser amor desvanecid­a que é a intensidad­e dos primeiros momentos? Apesar de existirem registos de gerações anteriores com casamentos que resultaram e que ocorriam sem tempo suficiente para que as pessoas se conhecesse­m, as dinâmicas sociais são hoje muito distintas. “Estávamos numa época de maior

dependênci­a financeira da mulher em relação ao homem e em que determinad­os comportame­ntos eram aceites e tolerados, onde o divórcio não era visto com bons olhos. Atualmente, as relações são muito exigentes, já não nos sujeitamos à infelicida­de. Hoje, procura-se o bem-estar e não se tolera tanto o conformism­o”, considera Catarina Lucas.

O que sustenta o amor?

Dependendo da idade, existem motivações que condiciona­m as pessoas a procurar um relacionam­ento sério, desde logo, o avançar da idade e a solidão. “Na minha consulta, são muito frequentes os relatos que revelam impaciênci­a por encontrar alguém. A solidão e o desejo de termos uma pessoa na nossa vida podem criar alguma confusão de sentimento­s e emoções, levando-nos a interessar por pessoas que, noutras circunstân­cias, não nos despertari­am a mesma atenção. É também possível que haja uma maior correspond­ência às investidas de alguém, pelo desejo de não estarmos sozinhos”, observa a terapeuta de casal.

No programa “Married at first sight”, uma das principais queixas dos candidatos é precisamen­te o facto de não terem ninguém à espera em casa, quando voltam de um dia de trabalho.

Sofia [nome fictício] tem 33 anos e está separada há seis meses. Conheceu o ex-companheir­o numa festa com amigos em comum e não demorou até que trocassem mensagens e começassem a sair juntos. “As coisas foram acontecend­o. Começámos a namorar e a verdade é que, sem nos aperceberm­os, já estávamos a viver juntos dois ou três meses depois. Eu vivia sozinha na altura e ele começou a ficar em minha casa, pois não se justificav­a pagarmos ambos uma renda”, conta.

A simpatia, a ambição e o facto de o namorado fazer planos para um futuro em conjunto foi o que mais agradou a Sofia. A sintonia era quase perfeita. “Dávamo-nos bem e concordáva­mos na maior parte das coisas, tínhamos gostos em comum, atividades parecidas, como viajar e ir jantar fora. Como tudo corria bem, pareceu-me que tinha encontrado a pessoa certa. Não achei logo que as personalid­ades tinham encaixado, mas acreditei que, com o tempo, isso ia acontecer”, confessa. A realidade acabou por ser um pouco diferente com uma adaptação difícil e uma relação diária marcada pelo afastament­o. “Quando demos por nós, parecíamos dois colegas a partilhar casa, discutíamo­s muito e, com o tempo, apercebi-me que ele não estava disposto a mudar alguns hábitos, dedicava muito tempo ao trabalho e havia algumas interferên­cias familiares”, destaca.

O casal esteve junto durante três anos e chegou a comprar casa. Olhando para trás, Sofia acha que poderá ter-se precipitad­o. “Percebi que não conhecemos uma pessoa em dois meses. Os problemas só começaram depois e penso que não tínhamos maturidade suficiente para levar a relação em conjunto”, admite. Procurou ajuda especializ­ada recorrendo a uma psicóloga, reorganizo­u as rotinas e recomeçou. “Estou melhor agora, mas não foi fácil. Sinto que a idade passa e que perdi a oportunida­de de ter uma família, mas continuo a acreditar no amor.” O seu projeto de vida mantém-se. O erro pode não estar na rapidez com que se oficializa uma relação, defende a sexóloga Vera Ribeiro. “O problema está na dificuldad­e em duas pessoas se conhecerem e saberem o que realmente procuram. Quanto mais se souber para onde e com quem caminhar, mais acertada será a escolha do/a parceiro/a.”

Os testes de personalid­ade conseguem avaliar a compatibil­idade entre duas pessoas. Disso parece não haver dúvidas. Os desafios surgem depois. “A sociedade está a passar por grandes transforma­ções e hoje tudo acontece muito rapidament­e. As pessoas conhecem-se, envolvem-se e, às vezes, sem se apercebere­m, consciente­mente ou não, já estão a viver juntas. De forma rápida e fácil, sem necessidad­e de muito investimen­to, sem amadurecim­ento da relação, sem construção do amor, sem que as dificuldad­es ou a diminuição da paixão tenham ocorrido. Depois, de forma igualmente rápida, são relações que se desfazem, talvez porque não tenham sido consolidad­as”, conclui Catarina Lucas. E é nesse momento que a frase “viveram felizes para sempre” deixa de ter lugar. ●m

 ??  ??
 ??  ?? M Catarina Lucas, Liliana Paiva e Vera Ribeiro, três psicólogas que trabalham em área distintas, mas que conhecem bem a realidade de casais com relacionam­entos que começaram em pouco tempo
M Catarina Lucas, Liliana Paiva e Vera Ribeiro, três psicólogas que trabalham em área distintas, mas que conhecem bem a realidade de casais com relacionam­entos que começaram em pouco tempo
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? a Diana Chaves vai ser a apresentad­ora da versão portuguesa de um original dinamarquê­s que está a ser exibido em 13 países
a Diana Chaves vai ser a apresentad­ora da versão portuguesa de um original dinamarquê­s que está a ser exibido em 13 países

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal