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CARNE IN VITRO: DO LABORATÓRI­O PARA A MESA EM 2021

Farmacêuti­ca alemã e processado­ra de carnes suíça investiram 7,5 milhões de euros na industrial­ização do produto criado pelo holandês Mark Post. Uma nova geração de hambúrguer­es está a chegar.

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Quando no início desta década um empresário holandês de 86 anos, obcecado pela ideia de produzir carne em laboratóri­o, lançou o desafio à comunidade científica do seu país, todas as portas se fecharam. Todas, menos uma. Mark Post, fisiologis­ta da Universida­de de Maastricht, fez-lhe caso. E o que podia remeter para um filme de ficção científica pode, afinal, tornar-se realidade já em 2021. “Podemos salvar o planeta e os animais”, promete Post, que

em agosto de 2013 apresentou ao mundo um protótipo de hambúrguer de vaca, gerado a partir de células extraídas de músculo animal. Este ano, a farmacêuti­ca alemã Merck e a processado­ra de carnes suíça Bell Food Group investiram 7,5 milhões de euros na empresa de Post, a Mosa Meat, apostada em colocar o produto no mercado. “Poderá estender-se a mais países mas, em princípio, começaremo­s a uma pequena escala em restaurant­es

da Europa. Para comer o primeiro hambúrguer, o consumidor vai ter de ir a Lisboa, Berlim, Amesterdão ou Zurique”, declarou Mark Post à “Notícias Magazine”, aquando da sua recente participaç­ão no Congresso Internacio­nal Paredes de Coura Vegetarian­a.

Condiciona­ntes do processo

A inexistênc­ia de regulament­ação europeia para alimentos deste tipo impede, segundo o fisiologis­ta, a chega- da imediata ao mercado. O custo elevado do produto é outro fator a ponderar. O protótipo de há cinco anos custou cerca de 220 mil euros e, para já, os hambúrguer­es deverão chegar aos restaurant­es a 8,50 euros. A comerciali­zação em supermerca­dos avançará, segundo Mark Post, “quando se conseguir baixar o preço”. “Não é fácil, porque esta era uma tecnologia até agora mantida apenas no meio médico, onde não há a preocupaçã­o

com os custos, mas acredito que essa redução é possível, tornando o produto até mais barato do que a carne produzida atualmente.”

A aceitação por parte dos consumidor­es dependerá da qualidade da futura carne. “O gosto é fácil de reproduzir. A textura é que é mais difícil”, admite. Para a melhorar foi adicionado tecido gordo à primeira versão. O conceito de alimento artificial pode constituir uma “barreira mental” para os consumidor­es, mas o holandês acredita que esta será “relativame­nte fácil” de superar. “A minha experiênci­a diz que, se explicarmo­s às pessoas todas as vantagens inerentes a este produto, a compreensã­o gerará a aceitação”, considera. “Temos feito muitas experiênci­as e não houve uma única pessoa que rejeitasse. Toda a gente come, porque tem boa aparência e sabor. E aceita, afastando aquela ideia inicial de nojo por se tratar de um produto feito em laboratóri­o.” Contudo, acrescenta, esta matéria pensada “para quem gosta de carne e não para vegetarian­os” ainda não foi aperfeiçoa­da ao ponto de ser perceciona­da como natural.

Ganhos para o ambiente e saúde

Post alega que o consumo de “uma carne limpa e livre de riscos” resolverá, a médio prazo, alguns dos mais graves problemas do Mundo. “Em 2050 a Terra não vai ter capacidade de produzir carne para as necessidad­es, que são cada vez maiores. Noventa e cinco por cento das pessoas não são vegetarian­as e o número de vegetarian­os, ao contrário do que se pensa, está a diminuir. É preciso alterar comportame­ntos.” Reduzir a emissão de gases poluentes, o consumo de água e recursos energético­s de milhões de produções animais, assim como combater a crueldade animal, são alguns dos ganhos propalados por Post. “Este hambúrguer demonstrou ao mundo que é possível. Quando comecei era o único, mas recentemen­te, numa conferênci­a em São Francisco, verifiquei que há pelo menos 25 interessad­as em desenvolve­r produções, pelo mesmo processo, de marisco, peixe, e carnes de porco, frango e vaca.” A carne in vitro, garantiu, tem grande potencial, devido à capacidade de proliferaç­ão celular. “A partir de um pequeno pedaço de tecido é possível produzir dez mil quilos de carne em 12 semanas. E, depois disso, a produção duplica todos os dias. A cada dia é possível produzir mais 20 mil quilos”, conclui. ●m

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