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Este sinal será mesmo para os mais velhos?

O desenho da placa venceu uma competição infantil no Reino Unido há quase 40 anos. E a controvérs­ia instalou-se. Será que um casal vergado representa os idosos dos nossos dias? Hoje é Dia Mundial da Terceira Idade.

- POR Sara Dias Oliveira

Ela atrás e ele à frente com uma bengala na mão. Um casal de idosos vergados a atravessar uma rua é o desenho do sinal de trânsito que entrou em vigor no nosso país em 1994 e que indica ao condutor que está a entrar numa zona frequentad­a por mais velhos, seja um lar, um jardim, um parque ou outros locais similares. Ou até mesmo à entrada de uma estrada nacional que atravessa toda uma aldeia do interior. É um sinal triangular vermelho que indica perigo, que os mais velhos andam por perto.

O desenho surgiu no Reino Unido, num concurso infantil, e o sinal de trânsito saiu à rua em 1981. E foi precisamen­te no país de origem que a polémica estalou. Será que hoje faz sentido retratar os idosos como pessoas frágeis, incapacita­das e que são um perigo para os condutores? Ou haverá uma maneira mais divertida e atual de avisar os automobili­stas de que há pessoas mais velhas nas imediações? No Reino Unido foi lançada uma campanha, por uma agência de comunicaçã­o, que desafiou designers a apresentar­em alternativ­as, a reinventar­em a imagem. O italiano Oliviero Toscani, autor das polémicas campanhas publicitár­ias da Benetton, deu o seu contributo com uma imagem inspirada na mítica fotografia dos Beatles a atravessar a Abbey Road. A campanha deu origem a um livro, a uma exposição, e os cartazes dos “novos” sinais estão a ser leiloados. As receitas serão entregues a uma instituiçã­o britânica que trabalha com idosos. Para Manuel Lemos, presidente da União das Misericórd­ias Portuguesa­s, está na hora de tornar o sinal de trânsito “mais dinâmico” e, se houver essa vontade, a entidade que dirige está disposta a apresentar ideias. Há 40 anos, o con-

texto era outro, tudo mudou entretanto. “O idoso que hoje anda na rua não é um velho tão alquebrado como o do sinal, é um velhinho mais dinâmico”, refere, ao defender uma abordagem mais positiva em relação aos mais velhos. Maria João Valente Rosa, diretora da Pordata, demógrafa e professora universitá­ria, considera que o aviso aos automobili­stas para pessoas portadoras de alguma incapacida­de faz sentido. O problema são as imagens escolhidas. “A velhice não é um estado único, igual para todas as pessoas, mesmo quando falamos de saúde. Os problemas de mobilidade ou as incapacida­des não são um exclusivo dos mais velhos. Este sinal alimenta um estereótip­o negativo sobre as pessoas mais velhas, passando uma imagem altamente redutora, errónea e prejudicia­l sobre este grupo etário”, contesta.

Envelhecer já não é o que era, mas o conceito de terceira idade ainda vive amarrado à idade da reforma e os 65 anos surgem como a referência, como uma fronteira. Só que a sociedade mudou e, hoje, ter 70 anos é muito diferente do que era há três ou quatro décadas. “O rótulo da terceira idade ainda sobrevive, muito devido à marca da reforma”, salienta a diretora da Pordata, sublinhand­o ainda que “envelhecer não é uma doença, é um processo natural.” O relógio atrasa-se e tudo acontece mais tarde. “É compreensí­vel que as pessoas por estarem na ‘tal’ terceira idade se sintam especiais, tanto mais por saberem que a sociedade as reforma, de forma compulsiva, quer queiram, quer não.” ●m

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M Algumas propostas da campanha britânica “Sinal dos Tempos”, desde um casal a dançar a um homem com uma bengala em cima de um skate
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