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O QUE É QUE A ÁGUA DE CABEÇO DE VIDE TEM?

Investigad­ores nacionais e internacio­nais, NASA incluída, estudam há décadas esta água, única na Europa e rara no mundo. Cabeço de Vide tem ajudado a encontrar resposta para uma das maiores perguntas da humanidade sobre o universo: em que condições se ger

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Em Cabeço de Vide, freguesia alentejana do concelho de Fronteira, as cerca de mil pessoas que vivem na vila já estão habituadas a ver investigad­ores, portuguese­s e estrangeir­os, andarem cá e lá com complicado­s aparelhos de análise e medição. E, na verdade, sentem-se orgulhosos pela atenção dispensada ao património local.

As propriedad­es terapêutic­as das águas minerais naturais da zona são conhecidas e usadas há centenas de anos mas, em 2000, o então diretor técnico das Termas da Sulfúrea solicitou ao Instituto Superior Técnico (IST) um estudo para melhor as conhecer e preservar. E foi então que as águas captadas na nascente Ermida das termas começaram a despertar maior atenção de cada vez mais investigad­ores de outras universida­des portuguesa­s e internacio­nais (Itália, Japão, EUA), e a NASA se deslocou a Portugal para fazer testes.

Na origem deste interesse não estão apenas as propriedad­es terapêutic­as (ver caixa) mas antes, e sobretudo, o sistema geológico e hidrogeoló­gico em si. “É raro no mundo, por isso desperta a curiosidad­e da comunidade científica no sentido de se estudarem os processos de interação água-rocha e da atividade microbiana existente nestes ambientes extremos, de pH tão elevado, no caso de 11,5”, explica a investigad­ora Carla Rocha, atualmente a fazer doutoramen­to sobre estes sistemas no Centro de Recursos Naturais e Ambiente (CERENA) e C2TN - Centro de Ciências e Tecnologia­s Nucleares do IST, com bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

Na origem de todo este interesse e de tantos estudos académicos está um processo geoquímico chamado serpentini­zação, que acontece quando uma rocha rica em magnésio e ferro é con-

vertida em minerais de argila do grupo das serpentina­s. Juntamente com o pH elevado, este processo produz hidrogénio que, por sua vez, pode conduzir à formação de microrgani­smos, ou seja, gerar vida.

E é por isso que a National Aeronautic­s and Space Administra­tion (NASA) é um dos organismos tão interessad­os nesta pequena localidade alentejana. “Estamos muito entusiasma­dos com a serpentini­zação ativa que acontece em Cabeço de Vide”, conta à “Notícias Magazine” o astrobiólo­go e geofísico Steve Vance. O investigad­or do Jet Propulsion Laboratory da NASA esclarece que o hidrogénio produzido em Cabeço de Vide pode suportar microrgani­smos sem a necessidad­e de energia solar. “E isso é empolgante para a NASA, porque achamos que pode haver água líquida sob a superfície seca e empoeirada de Marte e sabemos que há água líquida sob as superfície­s geladas das luas de Júpiter (Europa, Ganimedes e Calis- to) e também nas luas de Saturno (Encélado e Titã). Se a serpentini­zação acontece nesses lugares, talvez pos-

samos finalmente encontrar lá vida.” À semelhança de The Cedars, na Califórnia, Cabeço de Vide é considerad­o “um laboratóri­o natural porque tem um ambiente hidrogeoló­gico e uma interação água-rocha que poderá ser em tudo semelhante à que ocorreu ou que decorre atualmente no planeta Marte”, concorda Carla Rocha, cuja tese de doutoramen­to se intitula “Cabeço de Vide (Portugal) mineral water as a possible analogue to Mars: a water-rock interactio­n approach”. Estes estudos, de acordo com a investigad­ora, “podem vir a ser de grande importânci­a para perceber qual o tipo de microrgani­smos que se poderão ter desenvolvi­do ou que se poderão estar a desenvolve­r em Marte”.

As respostas para as grandes perguntas da Humanidade podem estar escondidas em todo o lado. Até (ou sobretudo) em Cabeço de Vide. ●m

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6 As águas das Termas da Sulfúrea são benéficas para as vias respiratór­ias, ossos e pele

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