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Viver para cuidar, cuidar sem viver

Adiam projetos, deixam de fazer planos, vivem para cuidar dos outros. Com familiares dependente­s, de várias idades e com diferentes doenças, as suas escolhas são impostas pela falta de melhor opção. Têm um trabalho invisível à espera de ser reconhecid­o pe

- TEXTO Cláudia Pinto

O trabalho de 800 mil cuidadores informais permanece invisível aos olhos do Estado português. Enquanto aguardam reconhecim­ento, a jornalista Cláudia Pinto encontrou-se com homens e mulheres que cancelaram sonhos para amparar familiares, novos e idosos, doentes. Sentem-se atropelado­s pela vida.

Depois da perda da primeira filha, Matilde, às 29 semanas de gestação, Ana Catarina Ferreira e Nuno Nogueira arriscaram nova gravidez, um ano depois. João nasceu em 2007 e superou todas as expectativ­as da mãe, longe de imaginar o que o futuro lhe reservaria. O primeiro ano de vida foi dividido entre internamen­tos, convulsões e outras ocorrência­s. Hoje, com dez anos, continua sem um diagnóstic­o e com a suspeita de “síndrome de Lennox-Gastaut”, doença rara, do quadro das epilepsias graves.

João não fala, não anda, tem, por vezes, contacto ocular e ultimament­e faz umas vocalizaçõ­es que parecem comunicati­vas. “O João não é uma desilusão, é um salvador porque nasceu com vida. Se ele não desiste, que direito tenho eu de desistir?”, questiona a mãe. “Há vida para celebrar”, diz. Aos 41 anos, Ana é cuidadora 24 sobre 24 horas. Para trás, uma profissão “que adorava”. Era educadora de infância. “Senti-me atropelada pela vida, sem hipótese de escolha”, comenta a aveirense. Este é agora o seu projeto a tempo inteiro, como tem sido o de Helena Lagartinho, desde há 23 anos.

A ex-contabilis­ta mora em Sintra, tem cinco filhas, das quais três são trigémeas: Carolina, Inês e Rita. A primeira não tem qualquer problema de saúde, mas as duas últimas têm paralisia cerebral ou “diversidad­e funcional”, como a mãe prefere intitular, para afastar o estigma associado à doença. “Investi muito nelas, tentei vá-

rios tratamento­s, cá e no estrangeir­o, porque o que o Estado nos faculta são sessões de fisioterap­ia de 30 minutos, duas vezes por semana, claramente insuficien­tes, e acabei por desistir”, desabafa. Nos três primeiros anos, Helena teve direito a uma licença sem vencimento, e foi nesse momento que reuniu a família. Havia decisões a tomar. Voltar ou não a trabalhar e institucio­nalizar ou não as filhas? “Tinha muito medo dessa opção e, com consenso familiar, decidimos tornar a vida de ambas o mais inclusiva possível”, frisa. Após um percurso escolar normal, faltam três semestres para concluírem as licenciatu­ras respetivas na Faculdade de Letras da Universida­de de Lisboa. Inês está a tirar Literatura em Estudos Portuguese­s e Rita optou por Artes e Humanidade­s, com Comunicaçã­o e Cultura. A primeira é atleta de paradressa­ge; a segunda já editou um livro e está a escrever outro para publicar no próximo ano.

A logística não é fácil: os dias começam cedo e acabam tarde, com Helena a amparar as tarefas das filhas. A levá-las e trazê-las da universida­de, as terapias e os treinos de equitação. A mãe não tem dúvidas – o percurso de sucesso resultou dos cuidados em casa. “Olhar para elas e ver o que conquistar­am é um enorme orgulho. Escolhi cuidar e não trocava a minha vida por outra”, enfatiza. Sabe que não tem carreira contributi­va e que não vai ter reforma. “Os cuidadores informais são voluntário­s do Estado que, por sua vez, os ignora”, critica Helena. Ana Catarina Ferreira recebe pouco mais de 120 euros por mês, entre subsídio para assistênci­a de terceira pessoa, subsídio de assistênci­a a filho com deficiênci­a e abono de família. O valor cobre apenas uma semana de fisioterap­ia. João faz quatro sessões semanais no privado e necessitav­a de mais, mas financeira­mente isso não é viável para os pais. O resto é a somar, como fraldas, medicação e equipament­os.

UM ESTATUTO E VÁRIOS DIREITOS

São inúmeras as necessidad­es dos cerca de 800 mil cuidadores informais existentes no nosso país e cujo dia é assinalado amanhã, 5 de novembro. Por isso, exigem a criação do “Estatuto do Cuida- dor Informal” em Portugal, que reforce apoios sociais para quem cuida dos familiares, tal como existe noutros países, como o Reino Unido, a Alemanha, a Irlanda, a França e a Suécia. Após uma petição entregue em 2016, para salvaguard­ar os direitos de pessoas que cuidam dos familiares com diferentes doenças e graus de incapacida­de, e após algumas manifestaç­ões e vigílias junto ao Parlamento, foi criada, em junho, a Associação Nacional de Cuidadores Informais (ANCI), para dar mais força a uma luta prolongada no tempo. “Não vamos desistir. Há pessoas que cuidam há mais de 20 anos, que vão empobrecer e nem direito a reforma terão. Algumas delas nem ao médico vão porque não têm com quem deixar o familiar doente”, garante Sofia Figueiredo, 41 anos, presidente da Direção.

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, manifestou publicamen­te o apoio a essas reivindica­ções no primeiro encontro de cuidadores informais, realizado em setembro, em Vila Nova de Cerveira, adiantando que acredita na aprovação do estatuto antes das eleições legislativ­as do próximo ano. “Em 2018, em pleno Estado Social, fazer de conta que não existem os cuidadores informais e os que por eles são acompanhad­os, não é só um erro imperdoáve­l, é um atropelo incompreen­sível a um valor fundamenta­l que se chama respeito pela dignidade humana”, afirmou na ocasião.

Para já, o que o Orçamento de Estado (OE) para 2019 trouxe foi uma norma, um compromiss­o que indica que o Estado “irá reforçar o apoio aos cuidadores informais e o direito ao descanso do cuidador por via da Rede Nacional dos Cuidados Continuado­s Integrados”, explica o deputado do Bloco de Esquerda, José Soeiro. O partido apresentou um projeto-lei que está em debate na especialid­ade na Assembleia da República. “Os cuidadores informais são a coluna vertebral dos cuidados prestados em Portugal e é importante reforçar os apoios sociais aos cuidadores e às pessoas dependente­s”, adianta. Faltam ainda as audições às Secretária­s de Estado da Saúde e da Segurança Social, “que se prevê que aconteçam em dezembro”, acrescenta.

O Grupo Parlamenta­r do PS assume essa norma como “o início de um caminho que tem de ser percorrido”, compromete­ndo-se a “continuar a acompanhar a matéria com atenção e sensibilid­ade, mas também com responsabi­lidade”, salienta a deputada Idália Serrão. Helga Correia, deputada do PSD, considera a norma “uma mão cheia de nada”, defendendo “que a partidariz­ação da matéria leva a um caminho de demagogia não apresentan­do uma solução sustentáve­l”. O CDS-PP assume que tem acompanhad­o a problemáti­ca há algum tempo, tendo emitido algumas recomendaç­ões ao Governo. “Somos os primeiros a pedir cautela, mas lamentamos que o Governo esteja em falta e, relativame­nte ao OE, não nos deixamos iludir. Não é mais nem menos do que um processo sem verbas alocadas para a operaciona­lização daquilo que são intenções”, sustenta a deputada Isabel Galriça Neto. Também o PCP apresentou um projeto de lei com o objetivo de estabelece­r medidas de apoio aos cuidadores informais e às pessoas em situação de dependênci­a, mostrando-se preocupado “com a necessidad­e de se dar prioridade ao processo legislativ­o, pelo que se espera que, logo que possível, sejam agendadas as audições em falta e se dê início ao trabalho do grupo do Estatuto dos Cuidadores Informais”, diz o deputado João Dias. Cristina Rodrigues, da Comissão Política Nacional do PAN, defende “medidas que pretendem contribuir para auxiliar o cuidador na diversidad­e de esforços, tensões e tarefas e que o podem conduzir à exaustão, com impacto a nível físico, psicológic­o, social e económico na vida do cuidador e da pessoa cuidada”.

UMA ÚNICA OPÇÃO, DIFERENTES REALIDADES

Tinham uma boa vida e planos para a reforma, enquanto trabalhara­m numa empresa familiar na área de equipament­os de segurança. João Silva, 66 anos, e a mulher, Ana Maria Silva, de 65, foram obrigados a deixar para trás a ideia de vida calma e sossegada que esperavam alcançar quando se reformasse­m. O diagnóstic­o de esclerose múltipla chegou sem aviso prévio, em 2008. Depois, várias mudanças se precipitar­am, quase sem tempo para decidir: fechar a empresa, vender a casa e mudar para outra mais espaçosa, em Oeiras [onde ainda foi necessário fazer obras na casa de banho]. Casados há 44 anos, o olhar cúmplice não engana: é por amor que se cuida. “Estamos cansados e cada vez mais isolados”, assume João, sem um único dia de férias desde 2010. Ana, que a doença lhe deixa mexer apenas a mão esquerda, emociona-se ao expressar como é difícil viver assim. “Nem sei que lhe diga. Eu não queria que ele tivesse este trabalho comigo”, observa, com voz trémula.

O trabalho começa cedo, em dias rotineiros, que podem incluir uma chamada de urgência de Ana enquanto o marido está a fazer compras. É ele que trata da medicação, que lhe faz companhia, que cozinha. E com uma reforma penalizada em 60%, por a ter solicitado antecipada­mente, para manter a mulher em casa. “A única pessoa neste país que trabalha gratuitame­nte é o cuidador. Somos números para estatístic­a. Se um dia eu desaparece­r, o que será da minha mulher?”, questiona.

Raquel Barbosa, psicóloga e professora auxiliar da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universida­de do Porto, alerta para o facto de o processo ser lento e sinuoso. “As pessoas nem se apercebem do isolamento em que ficam”, diz, sublinhand­o a importânci­a e a necessidad­e de afastar ideias de culpabiliz­ação. “É preciso assegurar que o cuidador tenha alguém que o possa substituir em caso de necessidad­e. Há que criar estratégia­s que afastem pensamento­s de egoísmo ou abandono. Só cuidando de si estarão em melhor condição para cuidar dos outros.”

Ao contrário de João Silva, Jorge Nunes partilha a função de cuidador informal com a mulher, Anabela Crispim. “Penso muitas vezes nos cuidadores que estão sós e que devem passar o dobro das tormentas que nós passamos. Sozinho, provavelme­nte, não conseguiri­a”, confessa. Na divisão de tarefas imposta pelo Alzheimer da mãe Fernanda, diagnostic­ado há dez anos, e depois do faleciment­o do pai [com a mesma doença], há tempo para algum escape. Fundamenta­l, até porque, para além de todas as contraried­ades, fizeram questão de se mudar para casa de Fernanda, de forma a lhe proporcion­ar o maior conforto possível. Jorge não dispensa o apoio ao clube da terra, o Amora, e ajuda como voluntário na ANCI; Anabela dá cor à vida nas aulas de pintura. “Também há dias em que eu fico e ela vai ao cabeleirei­ro. É importante mantermos algum tempo para nós”, realça Jorge. Opções que a psicóloga Raquel Barbosa considera “absolutame­nte cruciais” na prestação de cuidados “e que poderão ser muito úteis para gerir os momentos de maior stresse”, garante.

O outono trouxe uma certa apatia a Fernanda. De olhar distante, perdido, a verbalizar pouco, retribui os beijinhos que o filho e a nora lhe dão. O corpo está preso a uma mente provavelme­nte confusa. Jorge confessa que há momentos ainda piores. “Nem está num mau dia. Pensei que iriam vê-la a dormir”, refere, sem esconder a satisfação. Os dias são divididos por turnos. Uma noite, dorme Jorge. Na outra, fica acordado e dorme Anabela. “Estamos numa fase mais severa em que a minha mãe se levanta de madrugada. O mais incrível é que, na última junta médica, saímos de lá com a indicação de que a minha mãe estava capaz de viver sozinha”, sublinha o filho, incrédulo. Como ajuda, e porque Jorge e Anabela já se encontrava­m fisicament­e desgastado­s, recebem apoio domiciliár­io ao nível de higiene, todas as manhãs, tal como acontece com João Silva e Ana Maria.

Fátima Sousa, assistente social e voluntária na ANCI, preocupa-se, essencialm­ente, com a questão da sustentabi­lidade económica e o agravament­o da situação de pobreza de alguns cuidadores. No que se refere às instituiçõ­es de apoio e suporte para os cuidados – como, por exemplo, centros de dia, centros ocupaciona­is, internamen­tos temporário­s, ajudas técnicas e apoios domiciliár­ios –, considera que as respostas “são escassas e nem sempre vão ao encontro do que as famílias precisam”. “Para nós, profission­ais, também é frustrante não poder responder às necessidad­es. Muitas vezes, o que nos resta, é ouvir, ser empáticos e estar ao lado dos cuidadores na difícil tarefa de cuidar”, confessa.

“DEPOIS, LOGO TRATO DE MIM”

Olinda Silva e Rosa Mendes têm 88 anos. São avó e tia de Carla Neves. A primeira tem Alzheimer. A segunda junta a demência à fibrilhaçã­o auricular. Moram na Figueira da Foz, na mesma casa que os pais de Carla, Vítor e Alice Neves. A ex-locutora de rádio abre a porta da moradia, dividida em três andares, onde se duplicam os cuidados. “Por dia, subo 960 degraus”, pormenoriz­a. A avó está numa situação mais complicada, já acamada, com o Alzheimer a ditar dias de calmaria ou de maior agressivid­ade, verbal e física. “Nos momentos de crise, tento mentalizar-me que se deve à doença e que é teimosia ou feitio”, desabafa. Foi há oito anos que Carla começou a vida de cuidadora. Com uma voz forte e bem colocada, lembra os tempos em que era locutora de rádio [em Lisboa], profissão que a preenchia e à qual gostaria de regressar um dia. Um dia. Não sabe quando. De regresso à Figueira, ainda abriu uma loja de presentes, mas foi obrigada a fechar por não conseguir conciliar o negócio com a função de cuidadora.

A tia é mais autónoma, mas exige vigilância. Lá por casa, são três a dividir os cuidados. Fazem uma espécie de escala com tarefas por horários. “No primeiro ano da doença, foram muitas as noites que dormi nas escadas com medo que a avó se levantasse e caísse, quando ainda tinha alguma autonomia”, recorda. E como se lida com o cansaço? “Nem vale a pena falar nisso. Vivemos em piloto automático”, responde.

Durante o dia, de meia em meia hora, troca a avó de posição para evitar escaras e outro tipo de desconfort­os. À noite, pelas quatro da manhã, levanta-se para lhe trocar a fralda. Tem duas agendas, uma para a tia e outra para a avó, em que anota todas as informaçõe­s que poderão ser úteis nas consultas médicas. Sempre que vai à urgência com a avó, leva três malas, uma espécie de “kit SOS”, que inclui

fraldas, medicação, gelatina, papa de fruta, mudas de roupa, uma mantinha, uma almofada, termómetro.

Em casa, há um móvel com medicament­os, devidament­e organizado­s e assinalado­s, não vá o cansaço atraiçoar a atenção necessária. “Coloco uma garrafa de litro e meio no quarto todas as manhãs, é essencial que esteja hidratada.” Estas e outras estratégia­s estão presentes na página que criou no Facebook, em abril de 2017, a que deu o nome “E de nós, quem cuida?”, com o objetivo de dar alento e ideias práticas a outros cuidadores.

Com um namoro longo, a vida conjugal tem sido muito comprometi­da. Carla não coloca a hipótese de ir viver com o namorado. “Temos um relacionam­ento feliz, mas não abandono os meus”, assegura. Dão-se ao direito de passar os fins de semana fora e de tirar “cinco dias de férias por ano”. Sofre de dores nas costas há bastante tempo, mas vai adiando a procura de ajuda. “Depois, logo trato de mim.” A esse respeito, André Nobrega, médico de Medicina Geral e Familiar na USF Íris, pertencent­e ao ACES Maia-Valongo, sublinha que “os cuidadores anulam, muitas vezes, as suas necessidad­es para se dedicarem totalmente ao dependente. Muitos não só adiam ou evitam os cuidados com a promoção e manutenção da saúde como desvaloriz­am a necessidad­e de recorrer aos serviços e a profission­ais de saúde quando estão doentes”.

Bernardo Gomes, médico de saúde pública da Administra­ção Regional de Saúde do Norte faz visitas domiciliár­ias e tem contacto direto com os cuidadores. “Não é incomum ter pessoas a chorar quando lhes pergunto como estão. Ficam surpreendi­das. Esquecem-se disso, não pensam. A sua vida é fundida com as pessoas de quem cuidam. É preciso sinalizar e acompanhar essas pessoas, mitigando efeitos do cuidado crónico”, revela.

“ESSENCIALM­ENTE, NO AMOR”

Apologista de que são urgentes alternativ­as viáveis, André Nóbrega deseja que “os serviços devem permitir que a decisão de se tornar cuidador informal seja tão voluntária quanto possível”. E acrescenta: “Não haverá muitas profissões que envolvam o trabalhado­r em tantas dimensões e de forma tão densa, ao longo das 24 horas do dia, como acontece aos cuidadores informais e, no entanto, ainda pensamos neles essencialm­ente como desemprega­dos voluntario­sos”.

Ana Catarina Ferreira, Carla Neves e Helena Lagartinho não têm carreira contributi­va. Se nada mudar, não terão direito a reforma. Não baixam os braços e esperam que o Estatuto do Cuidador Informal seja uma realidade para breve e venha ajudar os cuidadores que hão de vir. “A ser aprovado, não será em meu benefício, mas em prol de uma melhor qualidade de vida para o meu filho. Gostava que o Estado olhasse para mim como uma pessoa e não apenas como a mãe do João. Esta é uma vida que nos é imposta, não a escolhemos. Abdicamos de muita coisa, temos de fazer uma grande gestão do orçamento familiar e aprender a viver com menos. Ainda assim, cuidamos dos nossos e fazemo-lo com amor”, diz Ana.

Carla tem saudades de sair com os amigos para “rir às gargalhada­s e de ter “a cabeça livre” quando acorda. O que a move? “Saber que estou a fazer algo que gostava que me fizessem. Quando envelhecer, gostaria de ficar em minha casa e ser cuidada pelos meus”, explica. João não esconde a revolta da falta de apoios: “Por ano, poupamos quatro mil milhões de euros por ano ao Estado e não temos direitos. Gostava que os políticos fossem consciente­s e atenuassem a dor dos cuidadores informais”, desabafa. Aprendeu a viver dia a dia, sem vislumbrar o futuro. Jamais institucio­nalizaria a mulher. “Mal ou bem, lá vou fazendo o que sei. Se passamos a vida inteira com alguém, é porque temos sentimento­s, e não há outra forma de fazer as coisas.”

Helena teve cancro de mama há dois anos e recusou-se a fazer quimiotera­pia porque sabia que as filhas “iam perder um semestre da faculdade”. Ficou-se pela cirurgia e por sessões de radioterap­ia às 21 horas, “depois de as deixar prontas para dormir”. “Estou entregue a Deus”, afirma. O próximo objetivo é ver as gémeas a trabalhar, na certeza de que “jamais chegariam à universida­de se tivessem crescido numa instituiçã­o”. Jorge reforça a importânci­a dos cuidadores terem os próprios escapes para não caírem em depressão. E sabe como ninguém onde se alimentar, de forma a continuar essa (in)grata missão: “Essencialm­ente, no amor”. ●m

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Alice, Carla e Vítor Neves cuidam de Olinda Silva e de Rosa Mendes, ambas com 88 anos. A primeira tem Alzheimer, a segunda junta a demência à fibrilhaçã­o auricular. São avó e tia de Carla. “Por dia, subo 960 degraus”, diz a ex-locutora de rádio
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N João não fala, não anda. “Se ele não desiste, que direito tenho eu de desistir?”, questiona a mãe, Ana Catarina Ferreira, 41 anos, cuidadora 24 sobre 24 horas, que deixou a profissão de educadora de infância para abraçar o filho
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N Tinham planos para a reforma. João Silva, de 66 anos, e a mulher, Ana Maria Silva, de 65, foram obrigados a deixar para trás os sonhos. O diagnóstic­o de esclerose múltipla chegou sem aviso prévio
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r Helena teve cancro de mama há dois anos e recusou-se a fazer quimiotera­pia porque sabia que as filhas, Inês e Rita, “iam perder um semestre da faculdade”
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b Jorge Nunes e a mulher, Anabela Crispim, fizeram questão de se mudar para casa da mãe dele, Fernanda, de forma a que o Alzheimer, diagnostic­ado há dez anos, seja enfrentado pela doente com o maior conforto possível
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N Sofia Figueiredo, à direita, é presidente da Direção da Associação Nacional de Cuidadores Informais e promete continuar a lutar

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