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COMO NASCEU A TRADIÇÃO DAS 12 PASSAS?

- POR Catarina Silva

Resiste aos tempos, sem que ninguém questione exatamente o porquê. Na noite de 31 de dezembro para 1 de janeiro comemos uvas e pedimos desejos. Também subimos a cadeiras, seguramos notas, batemos tachos, beijamos a cara-metade à meia-noite. É um mar de superstiçõ­es em nome da sorte. Umas desconhece-se quando nasceram, outras têm origens seculares.

O ritual é sabido, repete-se invariavel­mente a cada virar de ano. Mesmo que poucos lhe conheçam a origem. Passou de geração em geração e é provavelme­nte a mais transversa­l das superstiçõ­es de Ano Novo em Portugal. Poucos minutos antes da contagem decrescent­e começa a correria às uvas passas, são 12, têm de estar prontas para o grande momento. Cada um com as suas – além do copo de champanhe. De norte a sul do país, na passagem do 31 de dezembro para o 1 de janeiro, à meia-noite em ponto, comem-se as 12 passas (para tormento de muitos dos que não gostam) e ao mesmo tempo pedem-se 12 desejos. Um por cada mês do novo ano. Mas, afinal, como é que nasceu esta tradição?

Recuemos, pois, nesta história que começou no país vizinho, precisamen­te na Puerta del Sol, a central e buliçosa praça de Madrid, um dos emblemas da capital espanhola. Até ao final do século XIX, os espanhóis não celebravam o Ano Novo, porque a tradição era festejar-se a chegada dos Reis Magos a 6 de janeiro. Nessa época, na segunda metade do século, já os franceses e alemães tinham o costume de comer uvas frescas acompanhad­as de champanhe nas 12 badaladas da passagem do ano. E as classes altas madrilenas começaram a importar a tradição, ansiosas que estavam por atingir o estatuto social das elites das potências europeias. Mas o caso foi mais longe. Em 1880, a Câmara de Madrid teve a ideia de instituir uma polémica taxa municipal, espécie de multa, para quem celebrasse o Dia de Reis nas ruas da cidade, tudo para obrigar a população a festejar o réveillon na madrugada de 1 de janeiro, à semelhança de outros países europeus.

Ao saberem da proibição de festejar na tradiciona­l Noite de Reis, os madrilenos

EM 1880, A CÂMARA DE MADRID CRIOU UMA TAXA MUNICIPAL PARA TENTAR TRAVAR A CELEBRAÇÃO DO DIA DE REIS NAS RUAS DA CIDADE. O IMPOSTO LEVOU UMA MULTIDÃO DE PROTESTANT­ES PARA A PUERTA DEL SOL NA NOITE DE ANO NOVO. E ASSIM NASCEU A TRADIÇÃO DAS UVAS PASSAS (QUE ACABARIA POR CHEGAR A PORTUGAL)

de classe média-baixa decidiram, então, sair à rua na noite de Ano Novo, pegar numa mão cheia de uvas e juntar-se na Puerta del Sol para ridiculari­zar a alta sociedade. Em vez de comerem uvas frescas, comiam uvas demasiado maduras e com pior aspeto. Foi assim que os espanhóis começaram a reunir-se a 31 de dezembro e a comer as uvas em forma de protesto. A verdade é que o hábito foi conquistan­do adeptos e ganhou escala em 1909 quando se deu um excedente de produção dos agricultor­es de Alicante. Nesse ano, houve elevadas sobras de uvas Aledo, um tipo de uva que é colhido no final do ano e, para se escoar o produto, foi lançada uma campanha de venda a preços baixos. Criaram-se pacotes de – adivinhe-se – 12 uvas que eram vendidas como “uvas da sorte”.

Os anos passaram, o festejo enraizou-se, virou tradição celebrar o novo ano e comer as 12 uvas. O costume estendeu-se a toda a Espanha e depois chegou a Portugal e a alguns países da América Latina. Saltou-se de uvas excessivam­ente maduras para uvas passas. O mais curioso é que, tantos anos depois, os portuguese­s continuam a comer as uvas passas, enquanto os nossos vizinhos espanhóis voltaram às uvas frescas – 12, como manda a tradição – na entrada de um novo ano.

Há uma certeza, o velho hábito mantém-se (por pouco consensuai­s que as uvas passas sejam), resiste aos tempos e às gerações, numa espécie de busca pela sorte no ano que chega. Mas as tradições para garantir prosperida­de são tantas. Há cuecas azuis a estrear, tachos a bater, dinheiro na mão e pé direito na cadeira, além de se beijar a cara-metade. Umas desconhece-se quando nasceram, outras têm origens seculares. Por exemplo, fazer barulho com loiça ou panelas quando o ano vira (a “brincadeir­a” não chega ao volume do fogo de artifício, mas também consegue ser ruidosa) remonta a antigos rituais pagãos. Acredita-se que afugenta os maus espíritos do ano anterior. Nos anos 1950 e 1960, a tradição em Lisboa chegou até a escalar de nível, com pratos e tachos velhos a serem atirados pela janela, o que, por razões óbvias, foi proibido.

Então e aquele ritual de segurar uma nota no momento das 12 badaladas? Trata-se de uma crença oriental de que a energia entra pelo corpo, sobretudo através dos pés. É por isso que muitos não dispensam passar a meia-noite com uma nota no sapato, ou no bolso ou na mão, para atrair dinheiro. Há até quem faça a primeira compra do ano com essa mesma nota. E, claro, beijar a cara-metade à hora certa também tem que se lhe diga. É uma imagem muito americana que mora no nosso imaginário, a de milhares de casais a beijarem-se em plena Times Square, Nova Iorque, depois de uma contagem decrescent­e gritada em coro. Não se sabe ao certo onde nasceu esta tradição, mas admite-se que estará ligada a um festival romano em honra de Saturno, que se fazia numa época muito próxima à da atual passagem de ano, e em que todos se beijavam como ato de celebração.

Rituais, tradições ou superstiçõ­es, é o que lhe quiserem chamar. Todos, por pouco que acreditemo­s, cumprimos pelo menos um ritual na entrada num novo ano. Mesmo que seja apenas brindar com champanhe. Assim será na hora de dar as boas-vindas a 2024.

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