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COMO NASCEU A TRADIÇÃO DAS 12 PASSAS?
Resiste aos tempos, sem que ninguém questione exatamente o porquê. Na noite de 31 de dezembro para 1 de janeiro comemos uvas e pedimos desejos. Também subimos a cadeiras, seguramos notas, batemos tachos, beijamos a cara-metade à meia-noite. É um mar de superstições em nome da sorte. Umas desconhece-se quando nasceram, outras têm origens seculares.
O ritual é sabido, repete-se invariavelmente a cada virar de ano. Mesmo que poucos lhe conheçam a origem. Passou de geração em geração e é provavelmente a mais transversal das superstições de Ano Novo em Portugal. Poucos minutos antes da contagem decrescente começa a correria às uvas passas, são 12, têm de estar prontas para o grande momento. Cada um com as suas – além do copo de champanhe. De norte a sul do país, na passagem do 31 de dezembro para o 1 de janeiro, à meia-noite em ponto, comem-se as 12 passas (para tormento de muitos dos que não gostam) e ao mesmo tempo pedem-se 12 desejos. Um por cada mês do novo ano. Mas, afinal, como é que nasceu esta tradição?
Recuemos, pois, nesta história que começou no país vizinho, precisamente na Puerta del Sol, a central e buliçosa praça de Madrid, um dos emblemas da capital espanhola. Até ao final do século XIX, os espanhóis não celebravam o Ano Novo, porque a tradição era festejar-se a chegada dos Reis Magos a 6 de janeiro. Nessa época, na segunda metade do século, já os franceses e alemães tinham o costume de comer uvas frescas acompanhadas de champanhe nas 12 badaladas da passagem do ano. E as classes altas madrilenas começaram a importar a tradição, ansiosas que estavam por atingir o estatuto social das elites das potências europeias. Mas o caso foi mais longe. Em 1880, a Câmara de Madrid teve a ideia de instituir uma polémica taxa municipal, espécie de multa, para quem celebrasse o Dia de Reis nas ruas da cidade, tudo para obrigar a população a festejar o réveillon na madrugada de 1 de janeiro, à semelhança de outros países europeus.
Ao saberem da proibição de festejar na tradicional Noite de Reis, os madrilenos
EM 1880, A CÂMARA DE MADRID CRIOU UMA TAXA MUNICIPAL PARA TENTAR TRAVAR A CELEBRAÇÃO DO DIA DE REIS NAS RUAS DA CIDADE. O IMPOSTO LEVOU UMA MULTIDÃO DE PROTESTANTES PARA A PUERTA DEL SOL NA NOITE DE ANO NOVO. E ASSIM NASCEU A TRADIÇÃO DAS UVAS PASSAS (QUE ACABARIA POR CHEGAR A PORTUGAL)
de classe média-baixa decidiram, então, sair à rua na noite de Ano Novo, pegar numa mão cheia de uvas e juntar-se na Puerta del Sol para ridicularizar a alta sociedade. Em vez de comerem uvas frescas, comiam uvas demasiado maduras e com pior aspeto. Foi assim que os espanhóis começaram a reunir-se a 31 de dezembro e a comer as uvas em forma de protesto. A verdade é que o hábito foi conquistando adeptos e ganhou escala em 1909 quando se deu um excedente de produção dos agricultores de Alicante. Nesse ano, houve elevadas sobras de uvas Aledo, um tipo de uva que é colhido no final do ano e, para se escoar o produto, foi lançada uma campanha de venda a preços baixos. Criaram-se pacotes de – adivinhe-se – 12 uvas que eram vendidas como “uvas da sorte”.
Os anos passaram, o festejo enraizou-se, virou tradição celebrar o novo ano e comer as 12 uvas. O costume estendeu-se a toda a Espanha e depois chegou a Portugal e a alguns países da América Latina. Saltou-se de uvas excessivamente maduras para uvas passas. O mais curioso é que, tantos anos depois, os portugueses continuam a comer as uvas passas, enquanto os nossos vizinhos espanhóis voltaram às uvas frescas – 12, como manda a tradição – na entrada de um novo ano.
Há uma certeza, o velho hábito mantém-se (por pouco consensuais que as uvas passas sejam), resiste aos tempos e às gerações, numa espécie de busca pela sorte no ano que chega. Mas as tradições para garantir prosperidade são tantas. Há cuecas azuis a estrear, tachos a bater, dinheiro na mão e pé direito na cadeira, além de se beijar a cara-metade. Umas desconhece-se quando nasceram, outras têm origens seculares. Por exemplo, fazer barulho com loiça ou panelas quando o ano vira (a “brincadeira” não chega ao volume do fogo de artifício, mas também consegue ser ruidosa) remonta a antigos rituais pagãos. Acredita-se que afugenta os maus espíritos do ano anterior. Nos anos 1950 e 1960, a tradição em Lisboa chegou até a escalar de nível, com pratos e tachos velhos a serem atirados pela janela, o que, por razões óbvias, foi proibido.
Então e aquele ritual de segurar uma nota no momento das 12 badaladas? Trata-se de uma crença oriental de que a energia entra pelo corpo, sobretudo através dos pés. É por isso que muitos não dispensam passar a meia-noite com uma nota no sapato, ou no bolso ou na mão, para atrair dinheiro. Há até quem faça a primeira compra do ano com essa mesma nota. E, claro, beijar a cara-metade à hora certa também tem que se lhe diga. É uma imagem muito americana que mora no nosso imaginário, a de milhares de casais a beijarem-se em plena Times Square, Nova Iorque, depois de uma contagem decrescente gritada em coro. Não se sabe ao certo onde nasceu esta tradição, mas admite-se que estará ligada a um festival romano em honra de Saturno, que se fazia numa época muito próxima à da atual passagem de ano, e em que todos se beijavam como ato de celebração.
Rituais, tradições ou superstições, é o que lhe quiserem chamar. Todos, por pouco que acreditemos, cumprimos pelo menos um ritual na entrada num novo ano. Mesmo que seja apenas brindar com champanhe. Assim será na hora de dar as boas-vindas a 2024.