As libras tóxicas do futebol europeu e a bênção da UE
Ouvem o ranger de dentes? São os ingleses da Premier League a resistir com quantas forças têm (e não são muitas) à extorsão que o mundo está a fazer-lhes. Chegou dinheiro fresco ao futebol; uns gramas a Itália, uns quilos a Espanha e umas valentes toneladas a Inglaterra, sempre por via dos novos contratos televisivos. Os jogadores de futebol ficaram, automaticamente, mais caros do lado de quem faz o preço. A um mês e meio do fecho do mercado geraram-se já os dois paradigmas: os 110 ou 120 milhões de euros que o Manchester United irá pagar pelo médio Pogba, da Juventus; e os 90 milhões que essa mesma Juventus pagou ao Nápoles pelo ponta de lança Higuaín.
Até aqui, os números estratosféricos estavam guardados para os jogadores estratosféricos, que até têm uma definição técnica: ganham jogos sozinhos e, para além de o fazerem, geram um retorno incomparável no merchandising. O tabloide “The Sun” escrevia ontem que Ibrahimovic já vendeu 90 milhões de euros em camisolas do Manchester United. O número está, com certeza, deturpado, mas o sueco (chegou a custo zero...) faz mesmo parte daquela meia dúzia de craques que também goleiam nas lojas. Nem Pogba nem Higuaín figuram nessa categoria, apesar de serem ambos futebolistas de elite. Significará que não há melhores do que eles à disposição? Ou que um Ronaldo subiu ao patamar dos 200 ou mesmo 300 milhões de euros?
A resposta está na alínea B. Os preços dispararam, à conta das negociações apertadas com os ingleses. Em Portugal, o Sporting só conversa dos 50 milhões de euros para cima e o FC Porto nem discute propostas por Brahimi que não entrem na casa dos 40 milhões, não só porque sabem que os ingleses têm dinheiro, mas também porque o rodízio os atingiu da mesma forma. Tal como Pogba e Higuaín treparam para os 120 e 90 milhões, também os reforços a que os grandes portugueses estavam habituados chegam aos 15 e 20 milhões de euros. Alguém perderá neste jogo da corda, sabendo nós que, normalmente, ela não rompe pelo lado de quem tem mais dinheiro, como se percebeu pelo nervosismo de João Mário e pelo belicismo do empresário de Slimani. As distâncias para os mais ricos aumentarão e o futebol ficará ainda mais complexo e mais à mercê das fontes de financiamento obscuras, como sempre foi acontecendo, por vagas, desde o início dos anos 90 do século passado, eventualmente até à implosão final.
Culpados? O primeiro impulso é apontar o dedo à UEFA, que não vê problema neste escalar inflacionista, nem faz um esforço para o entender. Só para darmos uma forma à criatura, junto um número do site “Vice sports”: a inflação dos preços dos jogadores da Premier League desde o boom de 2013, não contando ainda com 2016 (garantidamente, será o ano mais brutal de todos), foi de 28%. A UEFA poderia impor alguns limites, não muitos, mas sobretudo combater o verdadeiro vilão desta história, uma galinha sem cabeça chamada União Europeia. É ela quem proíbe a imposição de qualquer tipo de limite orçamental aos clubes (como a qualquer empresa, de resto); é ela quem não admite o estabelecimento de um teto salarial para os jogadores; é ela quem impede a limitação de inscrições dos futebolistas comunitários (que, sozinha, resolveria metade dos problemas); e é ela quem mais obstáculos cria à vigilância sobre o navegação do dinheiro no futebol, a pretexto da santidade do mercado e da livre concorrência. O futebol será o exemplo ideal quando (ou se), um dia destes, alguém quiser discutir a profunda irracionalidade e idealismo político da União Europeia.
Alguém perderá neste jogo da corda, sabendo nós que, normalmente, ela não rompe pelo lado de quem tem mais dinheiro