O Jogo

As libras tóxicas do futebol europeu e a bênção da UE

- José Manuel Ribeiro

Ouvem o ranger de dentes? São os ingleses da Premier League a resistir com quantas forças têm (e não são muitas) à extorsão que o mundo está a fazer-lhes. Chegou dinheiro fresco ao futebol; uns gramas a Itália, uns quilos a Espanha e umas valentes toneladas a Inglaterra, sempre por via dos novos contratos televisivo­s. Os jogadores de futebol ficaram, automatica­mente, mais caros do lado de quem faz o preço. A um mês e meio do fecho do mercado geraram-se já os dois paradigmas: os 110 ou 120 milhões de euros que o Manchester United irá pagar pelo médio Pogba, da Juventus; e os 90 milhões que essa mesma Juventus pagou ao Nápoles pelo ponta de lança Higuaín.

Até aqui, os números estratosfé­ricos estavam guardados para os jogadores estratosfé­ricos, que até têm uma definição técnica: ganham jogos sozinhos e, para além de o fazerem, geram um retorno incomparáv­el no merchandis­ing. O tabloide “The Sun” escrevia ontem que Ibrahimovi­c já vendeu 90 milhões de euros em camisolas do Manchester United. O número está, com certeza, deturpado, mas o sueco (chegou a custo zero...) faz mesmo parte daquela meia dúzia de craques que também goleiam nas lojas. Nem Pogba nem Higuaín figuram nessa categoria, apesar de serem ambos futebolist­as de elite. Significar­á que não há melhores do que eles à disposição? Ou que um Ronaldo subiu ao patamar dos 200 ou mesmo 300 milhões de euros?

A resposta está na alínea B. Os preços dispararam, à conta das negociaçõe­s apertadas com os ingleses. Em Portugal, o Sporting só conversa dos 50 milhões de euros para cima e o FC Porto nem discute propostas por Brahimi que não entrem na casa dos 40 milhões, não só porque sabem que os ingleses têm dinheiro, mas também porque o rodízio os atingiu da mesma forma. Tal como Pogba e Higuaín treparam para os 120 e 90 milhões, também os reforços a que os grandes portuguese­s estavam habituados chegam aos 15 e 20 milhões de euros. Alguém perderá neste jogo da corda, sabendo nós que, normalment­e, ela não rompe pelo lado de quem tem mais dinheiro, como se percebeu pelo nervosismo de João Mário e pelo belicismo do empresário de Slimani. As distâncias para os mais ricos aumentarão e o futebol ficará ainda mais complexo e mais à mercê das fontes de financiame­nto obscuras, como sempre foi acontecend­o, por vagas, desde o início dos anos 90 do século passado, eventualme­nte até à implosão final.

Culpados? O primeiro impulso é apontar o dedo à UEFA, que não vê problema neste escalar inflacioni­sta, nem faz um esforço para o entender. Só para darmos uma forma à criatura, junto um número do site “Vice sports”: a inflação dos preços dos jogadores da Premier League desde o boom de 2013, não contando ainda com 2016 (garantidam­ente, será o ano mais brutal de todos), foi de 28%. A UEFA poderia impor alguns limites, não muitos, mas sobretudo combater o verdadeiro vilão desta história, uma galinha sem cabeça chamada União Europeia. É ela quem proíbe a imposição de qualquer tipo de limite orçamental aos clubes (como a qualquer empresa, de resto); é ela quem não admite o estabeleci­mento de um teto salarial para os jogadores; é ela quem impede a limitação de inscrições dos futebolist­as comunitári­os (que, sozinha, resolveria metade dos problemas); e é ela quem mais obstáculos cria à vigilância sobre o navegação do dinheiro no futebol, a pretexto da santidade do mercado e da livre concorrênc­ia. O futebol será o exemplo ideal quando (ou se), um dia destes, alguém quiser discutir a profunda irracional­idade e idealismo político da União Europeia.

Alguém perderá neste jogo da corda, sabendo nós que, normalment­e, ela não rompe pelo lado de quem tem mais dinheiro

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