O Jogo

Caster Semenya A mulher que é quase homem vai arrasar nos Jogos Olímpicos

- RUI JORGE TROMBINHAS

A atleta sul-africana que surpreende­u o mundo em 2009, ao tornar-se campeã do mundo dos 800 metros com apenas 19 anos, está de volta aos grandes resultados. Mas com o aumentar da velocidade, sobem também as críticas e as dúvidas sobre o que torna, na verdade, esta mulher tão rápida

Quando, em 2009, chegou aos Mundiais de atletismo em representa­ção da África do Sul, só os grandes seguidores da modalidade conheciam a atleta. Mas quando a competição terminou, Caster Semenya era uma atleta bastante falada por todo o mundo e não havia jornal que não tivesse colocado a sua imagem nas primeiras páginas. A jovem, com um tempo de 1:55.45, tornara-se campeã do mundo dos 800 m com mais de dois segundos de vantagem sobre quem ficou mais perto, a queniana Janet Busienei, mas Caster fizera mais: em apenas quatro meses, desde os campeonato­s africanos de juniores, melhorara em quatro segundos o recorde pessoal. Isto foi em 2009, mas desde então que Semenya não tem tido descanso.

No rescaldo desses Mundiais, levantaram-se dúvidas sobre o sexo de Caster: era mulher ou homem? Mulher, jurava ela a pés juntos, aceitando mesmo submeter-se a testes para determinar o género que, apesar de terem tirado as dúvidas, foram mantidos em segredo. Com os Jogos Olímpicos de 2012 a caminho, Caster manteve-se em preparação sempre com essa nuvem sobre a sua cabeça e a verdade é que, em Londres, não chegou ao ouro nos 800 metros, ficando atrás da russa Mariya Savinova – envolta agora nas malhas do doping, algo que, por ironia do destino, poderá dar a medalha tão desejada à atleta sul-africana.

O pior, para Semenya, veio depois. Sem se poder banir ou excluir das competiçõe­s mulheres com hiperandro­genismo, uma condição que leva o corpo a produzir, de forma natural e sem qualquer intervençã­o externa ou química, hormonas masculinas, foi determinad­o que mulheres com níveis de hormonas superiores ao normal devem tomar medicament­os para suprimir essas hormonas e baixar os níveis. Era aí que estava a diferença da sul-africana: não era doping, simplesmen­te o corpo dela não funcionava de forma igual ao das outras mulheres.

Desde então, os tempos da atleta caíram drasticame­nte. Em 2012, nos Jogos de Londres, conquistou a prata com um tempo de 1:57.23 e no final de 2014 estava a correr

Um apelo de uma jovem atleta indiana levou de novo a questão das hormonas a tribunal. Desta vez, a causa de Semenya saiu a ganhar

na casa dos 2:03. Mais de cinco segundos mais lenta numa prova de 800 metros. Nos tais Mundiais de 2009, em que conquistou o ouro, um tempo dessa ordem colocá-la-ia em 22.º lugar, só com duas atletas a fazerem pior.

Mas isso mudou. E mudou muito. A poucos dias do arranque dos Jogos do Rio de Janeiro, Semenya bateu o recorde pessoal, que vinha de 2009, e faz agora os 800 metros em 1:55.43. O que mudou? As regras.

A “culpada” é outra mulher, Dutee Chand, uma jovem sprinter indiana que sofre da mesma condição, mas que se ficou com as limitações e apelou para o Tribunal Arbitral do Desporto. Em julho de 2015 foi-lhe dada razão. Ou seja, nenhum atleta, masculino ou feminino, deve ser impedido de competir por haver corpos “naturais e não adulterado­s”. Sendo o hiperandro­genismo uma condição biológica, o limite de hormonas terminou.

Com as amarras soltas, os níveis de testostero­na de Caster Semenya voltaram aos níveis normais, para ela, claro. Em menos de um ano voltou a ganhar velocidade e está mais rápida que nunca. Em abril, já este ano, tornouse na primeira atleta a sagrar-se campeã sul-africana nos 400, 800 e 1500 metros, estabelece­ndo as duas melhores marcas do ano, a nível mundial, para as duas primeiras, com o “peso” de ambas as finais terem decorrido com um intervalo de quatro horas.

Na África do Sul, a expectativ­a cresce à volta de um símbolo nacional. Em 2012, com o nome envolvido em polémica, foi porta-estandarte na cerimónia de abertura dos Jogos e agora surge como mais que provável vencedora da medalha de ouro nos 800 metros, pelo menos.

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