FRANCIS OBIKWELU
“Sabia que íamos ganhar o Euro”
O melhor corredor europeu de sempre dos 100 metros sente-se mais português do que muitos portugueses. A ponto de ter vivido com um misticismo especial o último Europeu de França
Não foi apenas o selecionador Fernando Santos a adivinhar que Portugal ia ficar em França até 11 de julho, diad afinal. Futebolista em jovem, ainda na Nigéria natal, Francis Obikwelu também teve uma fé cega na vitória lusa no último campeonato da Europa.
Acompanhou o Europeu? —Sim, segui-o todo. E desde o início já sabia que Portugal ia ganhar. Coisas que eu vi...
Explique lá isso. —Disse sempre aos meus amigos: “Portugal vai ganhar!” Até pode jogar mal, mas é assim que vai ser: “Portugal vai ser campeão da Europa!” Costuma ter esse tipo de pressentimentos? —Foi a primeira vez. Um feeling. Não sei explicar, foi algo que senti. E com muita força. E antes da final, também disse aos meus amigos: “A França até pode jogar bem, mas a bola há de ir ao lado, ao poste, mas não há de entrar.” Disse logo que Portugal ia ganhar por 1-0. E também adivinhou que ia ser o Eder a marcar? —[risos] Não, isso não. Não sei porquê, mas senti que Portugal ia ganhar o campeonato.
Chorou na final? —Eu não choro. Sou um homem muito forte, só choro noutras coisas.
É homem de sangue-frio. —Só choro quando vejo pessoas em sofrimento; aí emociono-me mais. Uma vez estive num hospital e vi crianças a sofrer, isso é diferente. E chorei quando vi pessoas na rua, até familiares, sem comida. Não o sensibilizou ter sido o Eder a marcar o golo decisivo? —São coisas que acontecem. Já estava escrito que ia ser ele a marcar o golo. Deus decidiu que ia ser ele a marcar, e foi. Acabou, ninguém podia marcar senão ele. Tem um forte impulso religioso. —Sim, desde pequeno que sou assim. E sou cristão.
Vai à igreja?
—Todososdomingos,emMas-
samá. Tal como o Francis, o Eder também nasceu em África. Não sentiu nada de especial por isso? —Isso para mim não importa; o que senti é que somos todos portugueses. Os franceses andavam a dizer mal da seleção deles, por ter muitos africanos, mas isso é muito feio de se dizer. São pessoas que vieram para trabalhar, alguns até já são nascidos lá. Sente-se mais europeu ou africano? —Sou mais português do que muitos portugueses. Não me considero nigeriano; sou português, mesmo tendo nascido na Nigéria. Quando levo uma bandeira portuguesa numa competição, é com toda a força, com tudo, porque com estou todo a representaro sentimento, um país que me apoiou muito.
Nunca se sentiu refugiado? —Não, eu vim para cá para competir, no campeonato do mundo de juniores, em 1994, nunca fui refugiado. Não sei o que é ser refugiado, só da televisão.
Onde foi essa competição? —Na Cidade Universitária. Acabou a prova, cumpri o meu trabalho e fui-me embora.
Para onde? —Fui para Loulé, trabalhar nas obras. Tinha lá uns amigos e eles vieram buscar-me a Lisboa, de carro. Depois estive lá um ano e meio, nas obras.
Dormia onde? —No sítio onde trabalhávamos, na própria obra. Depois vim para o Belenenses. Dormia no estádio, por baixo das bancadas, mas tinha tudo lá, um quarto, com cama, televisão e um restaurante ao lado. Hoje em dia ri-se disso tudo... —Para mim, agora é história. Como a do Cristiano Ronaldo, que veio da Madeira e também dormia nas instalações do Sporting.
“Não me considero nigeriano. Quando levo a bandeira portuguesa, é com toda a força”