O Jogo

Reciclagem de pontos perdidos

- Jacinto Lucas Pires

Que jogo mais infeliz, caros amigos. Falo da semana passada, do empate que oferecemos ao V. Setúbal na Catedral. Uma infelicida­de que contaminou tudo e todos, não concordam? Não foi só aquela bola de Lindelof ao poste com a baliza escancarad­a como um cesto de fruta fresca. Foi também um árbitro triste e nervoso, nervoso e triste, e um adversário que começou à histórico do futebol português e acabou em versão antijogo só para irritar, e craques que pareciam belas adormecida­s até levarmos o golo setubalens­e, e o raio de um marcador que teimava em não passar do 1... Pois, foi uma infelicida­de daquelas indesmentí­veis, irrebatíve­is. Mas não irrecuperá­veis. Os pontos perdidos, há que reciclá-los em pontos de interrogaç­ão – e responderl­hes logo ao virar da esquina. Sabendo que é sempre mau perder pontos, mas que é menos mau perdê-los agora. O clichê diz que um ponto vale o mesmo no começo ou no fim do campeonato. É obviamente falso, amigos. Os pontos no final da prova são muito mais valiosos. Até porque, com os pontos perdidos agora, pode-se aprender e, com os outros depois, só dá para panicar.

O que é que podemos aprender então, caros amigos, com a infelicida­de da semana passada? Há lições para todos os gostos, das mais gerais às mais específica­s. Que as camisolas de tricampeão não jogam sozinhas; que Pizzi a segundo avançado não funciona; que André Horta pode jogar a8 e a 10 mas não a 8 e 80; que, sem a alegria vertical de Renato e a inteligênc­ia musical de Gaitán, falta inaugurarm­os um novo modelo de ataque – posse de bola, toque de pé para pé, geometrias catalãs com ruturas luso-tropicais pelas entrelinha­s, por exemplo, míster? Outra lição é que ter de refazer a identidade de uma equipa todos os anos a partir do zero não é pera doce nenhuma, nem com grandes artistas no elenco...

Mas, se calhar, esta conversa já não interessa muito. Sou o cronista de ontem para o leitor de hoje. Não sei o que aconteceu na Madeira: se ganhámos, se perdemos ou se o nevoeiro tradiciona­l adiou o futebol para tempos em que cada ponto é ainda mais valioso. Escrevo isto antes do jogo com o Nacional. Pode ser que a orquestra de míster Vitória já tenha respondido em campo ao essencial destas inquietaçõ­es. Era bom que sim, caramba. Até porque a Europa está a aproximar-se e já é bem hora de o Glorioso regressar lá ao ciminho do sonho europeu.

Aos pontos perdidos há que responder-lhes. Com os perdidos agora, pode-se aprender e, com os outros depois, só dá para panicar

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