Reciclagem de pontos perdidos
Que jogo mais infeliz, caros amigos. Falo da semana passada, do empate que oferecemos ao V. Setúbal na Catedral. Uma infelicidade que contaminou tudo e todos, não concordam? Não foi só aquela bola de Lindelof ao poste com a baliza escancarada como um cesto de fruta fresca. Foi também um árbitro triste e nervoso, nervoso e triste, e um adversário que começou à histórico do futebol português e acabou em versão antijogo só para irritar, e craques que pareciam belas adormecidas até levarmos o golo setubalense, e o raio de um marcador que teimava em não passar do 1... Pois, foi uma infelicidade daquelas indesmentíveis, irrebatíveis. Mas não irrecuperáveis. Os pontos perdidos, há que reciclá-los em pontos de interrogação – e responderlhes logo ao virar da esquina. Sabendo que é sempre mau perder pontos, mas que é menos mau perdê-los agora. O clichê diz que um ponto vale o mesmo no começo ou no fim do campeonato. É obviamente falso, amigos. Os pontos no final da prova são muito mais valiosos. Até porque, com os pontos perdidos agora, pode-se aprender e, com os outros depois, só dá para panicar.
O que é que podemos aprender então, caros amigos, com a infelicidade da semana passada? Há lições para todos os gostos, das mais gerais às mais específicas. Que as camisolas de tricampeão não jogam sozinhas; que Pizzi a segundo avançado não funciona; que André Horta pode jogar a8 e a 10 mas não a 8 e 80; que, sem a alegria vertical de Renato e a inteligência musical de Gaitán, falta inaugurarmos um novo modelo de ataque – posse de bola, toque de pé para pé, geometrias catalãs com ruturas luso-tropicais pelas entrelinhas, por exemplo, míster? Outra lição é que ter de refazer a identidade de uma equipa todos os anos a partir do zero não é pera doce nenhuma, nem com grandes artistas no elenco...
Mas, se calhar, esta conversa já não interessa muito. Sou o cronista de ontem para o leitor de hoje. Não sei o que aconteceu na Madeira: se ganhámos, se perdemos ou se o nevoeiro tradicional adiou o futebol para tempos em que cada ponto é ainda mais valioso. Escrevo isto antes do jogo com o Nacional. Pode ser que a orquestra de míster Vitória já tenha respondido em campo ao essencial destas inquietações. Era bom que sim, caramba. Até porque a Europa está a aproximar-se e já é bem hora de o Glorioso regressar lá ao ciminho do sonho europeu.
Aos pontos perdidos há que responder-lhes. Com os perdidos agora, pode-se aprender e, com os outros depois, só dá para panicar