Vamos a isto, campeões?
Haverá mil ilações a tirar: por exemplo, que Salvio anda fora de personagem, que Rafa tem de jogar de início, que precisamos de outra largura para abrir o jogo nos campos do antijogo
Jacinto Lucas Pires
F oram importantíssimas as quatro bolas ao Belenenses, caros amigos. O Benfica tem-nos habituado tão mal, isto é, tão bem, que cada goleada já é recebida com uma normalidade um pouco adulta demais, a roçar a indiferença. Trata-se de uma injustiça e de um erro. Se me permitem um momento de rimas populares, diria que é confundir a bota com a perdigota. É claro que o normal do Benfica deve ser a genialidade. Mas daí não decorre que não se dê o lugar devido às goleadas mais importantes. Depois do desaire europeu (não, não vamos falar mais disso…), era essencial voltar bem ao campeonato. Dar garantias, alta fidelidade.
Para começar, Pizzi arrisca um passe tão louco que até desorienta Miguel Rosa; na linha, André Almeida lê bem, salta para a entrelinha e empurra para o golo. Depois, Mitroglou pega o esférico fora da área, abre o pé com uma elegância cinematográfica e atira o dito cujo para o lado mais esquisito, inesperando por completo o guarda-redes belenense. Dois. O terceiro veio “com toda a naturalidade”, como dizem os locutores. Um chuto de Salvio, que, por uma vez, fez bem em não passar. Como um experiente caçador de borboletas, o argentino esconde o remate atrás das pernas dos defesas adversários e, no segundo certo, não treme no gesto. E o quarto – tinha de ser de quem? De Jonas, claro. O nosso craque campeoníssimo, o astro do nosso ataque de golos e show de bola. Depois de tanto tempo longe dos palcos, era preciso calma para o artista voltar a si, mas também era urgente um golito para desencravar a alma. Quando, quando se daria essa misteriosa conjugação de circunstâncias que permitisse ao mestre concretizar a própria da coisa? Foi segunda-feira, na Catedral. Samaris lança Mitroglou, o segundo grego oferece de perfil, em modo egípcio, a Jonas, que, convocando todo o sangue- frio para o seu pé quente, tropical, pensa, decide e marca. Com Mitroglou e Jonas, o futebol do Glorioso não é só alta fidelidade, é ataque em estéreo.
Infelizmente, isso não chegou ontem, contra o autocarro do Paços. Haverá mil ilações a tirar (por exemplo, que Salvio anda fora de personagem, que Rafa tem de jogar de início, que precisamos de outra largura para abrir o jogo nos campos do antijogo), mas a mais importante não é técnica, é filosófica: temos de ser nós próprios no palco clássico da próxima jornada. Vamos a isto, campeões?