A ofensa à integridade física no desporto A
s condutas lesivas gozam, no desporto, de uma especial tolerância por parte do direito penal. Na verdade, estando em causa uma realidade que não prescinde do contacto físico, um entendimento contrário sempre inviabilizaria a prática desportiva. Para além disso, as expectativas do público tendem a ficar salvaguardadas com a mera aplicação de uma sanção desportiva. Esta tendência não se tem verificado, contudo, face às mais recentes notícias sobre as agressões no futebol, situação que serve de pretexto para que nos perguntemos onde fica, afinal, a fronteira entre comportamentos toleráveis e comportamentos intoleráveis (criminosos) no desporto. Esta questão tem-se reconduzido à figura do consentimento: quando decide participar no evento desportivo, assumindo e aceitando os riscos dessa decisão, o agente desportivo O direito penal só ficará de fora naquele tanto em que o direito sancionatório, criado e aplicado pelas organizações desportivas, se achar suficiente para dar resposta à violência consente na lesão, ainda que conte chegar ao fim da partida ileso. Este consentimento não deve, contudo, ser considerado na inteira disponibilidade de cada um, mas antes doseado com critérios de índole objetiva que o densifiquem. Neste sentido, desde logo se entendem como não consentidas, e portanto criminalmente puníveis, lesões provocadas por condutas que se desviem do sentido do jogo, como é o caso inequívoco de qualquer agressão por parte de um jogador a um árbitro, ou por parte de um atleta a outro atleta quando o jogo está parado. O mesmo se diga quanto a condutas que, ainda que enquadradas no âmbito normal do jogo, provoquem lesões de tal forma violentas e desconectadas com os valores do desporto que se ultrapasse o risco normal com que o jogador pode legitimamente contar. Isto sem esquecer as averiguações que sempre terão de se fazer em sede de culpa. Em suma, o direito penal só ficará de fora naquele tanto em que o direito sancionatório, criado e aplicado pelas organizações desportivas, se achar suficiente para dar resposta à violência. No mais, não poderá o direito penal inibir-se de “entrar em campo”.