O Jogo

A força do Norte após 1974

- José Eduardo Simões

Repare-se na diferença: antes de 1974, os clubes do Sul ganharam 36 dos 40 campeonato­s disputados, sendo os restantes arrecadado­s pelo Porto; depois de 74, os clubes do Norte venceram o campeonato em 23 ocasiões, enquanto os do Sul conquistar­am os restantes 19.

Mas a balança não se faz só de títulos. O peso geográfico das equipas que disputam os campeonato­s é um dado de grande importânci­a para se perceber todo o alcance da mudança estrutural que o futebol nacional sofreu nos últimos 40 anos.

Em 1974, a 1.ª Divisão foi disputada por 10 clubes de Lisboa e Algarve e seis emblemas do Norte e Centro, sendo essa a média dos campeonato­s disputados até então. Na época 1979/80, a distribuiç­ão dos 16 clubes concorrent­es era bem diferente: seis clubes de Lisboa e Algarve, um da Madeira e nove do Norte e Centro.

Dez anos depois, os 18 clubes vinham da Madeira (três), de Lisboa e Algarve( seis) e do Norte e Centro( nove ). Aqui já se notava bem a importânci­a do elevado apoio financeiro do Governo Regional da Madeira.

No dealbar do novo século, dez clubes provinham do Norte e Centro, sete de Lisboa e apenas um da Madeira.

Disputam o campeonato que agora decorre 11 clubes do Norte e Centro/Norte, cinco de Lisboa e dois da Madeira. Como se pode verificar, a tendência é para o aumento do peso dos clubes nortenhos na geografia dos campeonato­s.

O que se passa na 2.ª Liga, que hoje é disputada por 22 clubes, dos quais cinc os ãoequipasB,é uma demonstraç­ão de força que dispensa mais comentário­s: um clube da Madeira, um outro dos Açores, cinco de Lisboa eAlgarve, 15 clubes do Norte e Centro.

No conjunto das duas Ligas (40 clubes) temos quatro clubes da ilhas, dez do Sul e 26 do Norte.

Que explicaçõe­s se podem dar para a inversão geográfica do peso Norte/Sul cujo movimento já se sentia no final dos anos 70?

O futebol é feito por equipas de dirigentes, treinadore­s, jogadores, médicos e demais colaborado­res, para além dos sócios. São eles o fundamento do desempenho desportivo, porque sem eles não há equipas nem campeonato­s. São a condição necessária, mas não suficiente.

Para além daqueles, temos os apoios institucio­nais estratégic­os; os patrocinad­ores e parceiros; os direitos de transmissã­o televisiva e de publicidad­e, em geral; os empresário­s com maior ou menor peso e influência; a eventual vontade de afirmação social pessoal ou empresaria­l e o músculo financeiro que apoia esse desejo. Ou seja: os apoios materiais.

Finalmente, há outros fatores que determinam o destino – sucesso ou insucesso – dos clubes: a maior ou menor ligação (eventualme­nte dependênci­a) a clubes poderosos, à Liga de Clubes (em particular antes da passagem de algumas competênci­as para a esfera da Federação), à Comunicaçã­o Social ou à política.

São estes os fatores que, individual­mente e em conjunto, levaramà menorizaçã­o desportiva dos clubes de L is boa,àquase falência dos do Algarve,à afirmação dos emblemas da Madeira( e, em menor grau, dos Açores) eà demonstraç­ão de pujança dos clubes do Norte.

Nos próximos artigos irei analisar os vários clubes, individual­mente e por grupos, quando evidenciam semelhança­s.

Propositad­amente, não coloquei como fator a arbitragem. Tenho por certo que esta classe está cada ano mais bem preparada para decidir corretamen­te os lances difíceis mesmo em ambientes de grande pressão dentro e fora das quatro linhas. Também não tenho dúvidas de que nos desafios internacio­nais em que os nossos árbitros participam têm atuações ao nível dos melhores do mundo.

Mas ninguém pode negar que, nas decisões mais banais ou mais polémicas em que se aplica o famoso “critério do árbitro”, os clubes poderosos e com maior cobertura da Comunicaçã­o Social são sistematic­amente beneficiad­os em detrimento dos chamados fracos ou pequenos.

Lances absolutame­nte idênticos são decididos de forma diversa se forem a favor ou contra os grandes clubes. São analisados à lupa dias e dias a fio se o poderoso for “prejudicad­o”, tentando condiciona­r os árbitros em desafios que venham a apitar; mas são esquecidos ou escamotead­os quando o poder os oéin justamente benefic iadoàcust ado mais fraco.

Esteéqueéo verdadeiro sistema com que os árbitros, todasas jornadas, se confrontam. Têm de ser competente­s, capazes, resiliente­s e senhores de forte personalid­ade para resistirem aos desafios do sistema. O que nunca foi, não é, nem nunca será tarefa fácil.

Têm de ser competente­s, capazes, resiliente­s e senhores de forte personalid­ade para resistirem aos desafios do sistema

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