O Jogo

DEVERES DE CORTESIA

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usta-me a acreditar em paixão pelo futebol sem preferênci­a clubística, por isso não o escondo: há um resultado que eu gostaria mais de ver ocorrer amanhã do que outros. Mas importante, mesmo, era que não houvesse violência, nem física nem verbal. Que as crianças, as senhoras e as famílias pudessem sentir-se tão bem em Alvalade como nós, os brutamonte­s. E que não fosse o speaker do estádio, já agora, a desafiar ao contrário. Custa-me a perceber os speakers do futebol atual. Também eles podem ter – e parece-me inevitável que tenham – uma preferênci­a quanto ao vencedor de cada jogo. Daí a entoarem epicamente os nomes dos jogadores da casa e murmurarem sem tom os da equipa visitante vai uma distância grande. Daí a berrarem em glória os golos da sua equipa e a informarem burocratic­amente da autoria dos golos adversário­s, como fazem alguns relatores da rádio em dia de competiçõe­s europeias, vai uma distância enorme. Não o digo por moralismo, ou sequer por idealismo bacoco. Digo-o, em segundo lugar, porque, no meio do agravament­o da violência em torno desta modalidade, os clubes continuam a varrer todas as culpas para cima das claques (como se elas fossem entidades externas), quando na verdade são eles quem põe ao microfone um tipo determinad­o a incendiar os ânimos. E digo-o, principalm­ente, porque me parece inciviliza­do – e, hoje, isso é mesmo muito evidente para mim – que os deveres de cortesia e bem receber se apliquem a tudo na vida, menos ao jogo que amamos. Fez sentido, a certa altura, que o futebol fosse a nossa válvula de escape. Éramos razoavelme­nte educados e precisávam­os de uma oportunida­de semanal para ser tontos. Como a tontice – passe o eufemismo – se tornou a nova regra, a prerrogati­va deixou de fazer sentido.

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