O Jogo

A bola que interessa não é redonda

João Moreira Avançado internacio­nal português joga do outro lado do mundo há quatro anos; o futebol não é uma paixão local, mas o país, esse sim, é apaixonant­e

- HUGO SOUSA

Do outro lado do mundo também se joga futebol, embora o país prefira a bola oval do râguebi. Há um português na liga neozelande­sa que traça o retrato do território onde o stress parece um conceito vago

A Nova Zelândia está adiantada em relação a Portugal. São onze horas de diferença que permitem aos neozelande­ses chegar primeiro ao dia seguinte, mas, no que toca ao futebol, ter um pé à frente no futuro não se traduz ainda em avanços ou vantagens. O motivo é simples: a bola que realmente lhes interessa não é redonda. “Não ligam muito ao futebol”, conta João Moreira, avançado português, ex-internacio­nal pelas seleções jovens, que há quatro anos aterrou no Auckland City para tentar pregar nesse deserto futebolíst­ico que existe do outro lado do mundo. “Umas vezes aparecem para treinar, outras não, porque há jogadores que têm outras profissões. A mim, isso de nem sequer ter com quem treinar fez-me confusão quando cheguei ao clube e até lhes disse: ‘ai se fosse na Europa... já estavam a levar nas orelhas.’ Mas ali é tudo muito tranquilo e relaxado.”

João habituou-se. Ao futebol, ao país, à comida, às paisagens e até ao novo horário. “A minha mãe é que ainda não acertou com o fuso; liga-me quando estou a dormir ou quando vou para o treino. Não é fácil”, ri-se. Se a lógica funcionar, Portugal não deverá ter grandes dificuldad­es em ultrapassa­r a Nova Zelândia na Taça das Confederaç­ões, mas o melhor é não abusar da confiança, nem esperar uma espécie de jogo de solteiros/ casados, do género muda aos cinco e acaba aos dez. “Usam muito o físico e estão sempre focados a cem por cento; podem até estar a perder por um ou por cinco que não mudam a mentalidad­e. Antecipo essa vertente física no jogo contra

Portugal e também uma aposta nas bolas paradas”, avisa o avançado do Auckland, que, quando falou a O JOGO, ainda não sabia se a aventura neozelande­sa era para continuar. “Estou-lhes muito grato, jogo com regularida­de e gosto do país, mas vamos ver...”

Um dia no râguebi: “Tirem-me daqui...”

Como não gostar da Nova Zelândia? As fotos particular­es que João Moreira autorizou a bisbilhota­r e a partilhar sinalizam essa felicidade, parcialmen­te interrompi­da quando o avançado exagerou na tentativa de se entranhar na cultura local. “Fui uma vez ao râguebi e disse: ‘para mim, chega!’”, confessa. E até detalha: “Era um daqueles torneios com várias equipas da Nova Zelândia, África do Sul, Austrália. Jogava-se num sábado e domingo. Eles passam nove ou dez horas seguidas a ver aquilo! Jogadores em fila e não acontece nada. Ao fim de 45 minutos, já estava farto e a querer beber uma cervejinha.” Santa paciência. A febre do râguebi não lhe pegou. Respeita o impacto dosAll Blacks, a mítica seleção neozelande­sa, mas continua a preferir a bola rendondinh­a que circula nos pés dos All Whites, como é designada a equipa nacional de futebol. “Black/White”, que é como quem diz, “Preto/ Branco”. Um contraste irónico que resume as diferenças.

Nos país dos kiwis – “muitas vezes tenho que explicar aos amigos que não é o fruto, mas o pássaro, que até nem voa”, lembra o avançado –, as restantes experiênci­as têm sido boas e recomendáv­eis. “Há lugares fabulosos, daqueles onde se vai uma vez na vida. Eu já lá fui umas três ou quatro...”, brinca, atenuando com essas experiênci­as parte da frustração por não poder ter chegado onde chegaram velhos conhecidos: Rui Patrício, Nani, João Moutinho ou Adrien, só para citar nomes da atual Seleção. “Fico feliz por eles; há uns anos eram meus companheir­os de quarto e agora estão ali. Sim, às vezes penso que também podia estar lá”, admite. Portugal, Espanha e Brunei antecedera­m esta etapa neozelande­sa. “Tenho colecionad­o experiênci­as de vida muito interessan­tes. Talvez não seja uma carreira muito comum, porque é preciso ter sorte”, remata.

Deitar cedo e acordar as galinhas... no ginásio

“Qualidade de vida” é uma ideia que João Moreira repete algumas vezes na conversa com O JOGO, como se fosse o melhor slogan que encontra para resumir como é estar do outro lado do mundo .“Os neozelande­ses são muito ligados à natureza. Deitam-se cedo, mas também são capazes de se levantar à cinco da manhã só para ir ao ginásio, antes do trabalho”, exclama, como que antecipand­o que do outro lado da conversa estará outro português incapaz de entender esse fuso horário excêntrico...

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