BUFFON NO ESPELHO DA NAÇÃO
ITÁLIA Choque do afastamento do Mundial 2018 não belisca o impressionante percurso de um talento predestinado
Guarda-redes mais internacional de sempre da Squadra Azzurra ainda pode ultrapassar Maldini em presenças na Serie A e mantém a ambição de conquistar a Champions que escapou três vezes
Dentro de alguns meses, depois de se despedir da competição e enxugar as lágrimas, Gianluigi Buffon vai poder olhar para trás, reviver uma carreira de sucesso, repleta de feitos singulares, e abrir um sorriso. Este é ainda um momento de dor que alastra a uma nação perturbada com o final dos tempos. Um apocalipse proclamado em San Siro. É verdade: Gigi não vai ao seu sexto Mundial (nunca ninguém o conseguiu) e a Squadra Azzurra não figura no Mundial pela primeira vez em 60 anos. Mas o estatuto histórico de Itália e de Buffon no futebol não ameaçam extinção.
Existe um conjunto de fundamentos de validade científica discutível que explicam o percurso, os atributos técnicos físicos e a longevidade. Buffon vem de uma família competitiva. O seu tio-avô, Lorenzo Buffon, defendeu a baliza do Milan e Inter, o pai foi campeão de halterofilismo, a mãe de lançamento do disco e as duas irmãsdestacaram-senovoleibol. “O talento natural é herdado da família, mas tem de ser acompanhado de perseverança e trabalho árduo, senão arriscamos um sucesso efémero e caímos no esquecimento”, justificou o guardião, numa preleção, há dois anos. Mas há também a vocação para ser sempre jovem: “Não está certo, mas sou um eterno Peter Pan.”
Buffon começou no meiocampo, mas o pai viu nele qualidades inatas na baliza. Conta que quando Nevio Scala o lançou, pelo Parma (faz domingo 22 anos), num nulo frente ao Milan, um adepto fez uma crítica bem audível à escolha prematura. O pai reagiu garantindo que em cinco anos o filho estaria na seleção. Foram apenas dois e foi o mais jovem guardião (19 anos) de sempre da Azzurra até Donnarumma (17 anos e 189 dias). Aconteceu há 7320 dias e um recorde de 175 jogos pela equipa nacional. Em 2001 a Juventus espantou o mundo ao bater 52 M€ pela transferência, do ainda guardião mais caro de sempre. O retorno não tardou e, ao todo, foram oito scudettos, com o atual hexa. Pelo meio, uma montanha russa. Em maio de 2006, foi acusado, entre outros, de efetuar apostas ilegais. Esteve em risco de falhar o Mundial, mas colaborou com a justiça e pôde garantir o mais importante troféu da carreira: campeão do mundo. A seguir foi jogar na Serie B, ajudando a Juve a reerguer-se.
Para além da enorme agilidade e reflexos, a notoriedade de Buffon reforça-se ao ser voz de comando da defesa e galvanizador no balneário. Escapoulhe a Champions num trajeto europeu que, curiosamente, se iniciou com uma derrota 2-0 ante o V. Guimarães, em 1996, na Taça UEFA. Em 2003, defendeu um penálti de Figo na meia-final ganha ao Real Madrid que valeu a ida ao jogo decisivo perdido para o Milan nas grandes penalidades. Depois, Buffon voltou a ver escapar-lhe as finais de 2015 (Barcelona) e 2017 (Real Madrid).
A dois meses de fazer 40 anos, tem ainda a oportunidade de conquistar o troféu e de bater os 647 jogos de Maldini na Serie A (faltam 20), dois anos após o recorde de 975 minutos (10 jogos) sem sofrer golos na liga. O único guardião a conquistar o prémio de Jogador UEFA do ano (em 2003), foi, este ano, eleito o Melhor Guarda-redes FIFA. Não poderá imitar Dino Zoff, campeão mundial aos 40 anos, nem superar as cinco presenças de Matthaus e Carbajal, mas merece o pedestal.