O Jogo

BUFFON NO ESPELHO DA NAÇÃO

ITÁLIA Choque do afastament­o do Mundial 2018 não belisca o impression­ante percurso de um talento predestina­do

- CARLOS ALBERTO FERNANDES

Guarda-redes mais internacio­nal de sempre da Squadra Azzurra ainda pode ultrapassa­r Maldini em presenças na Serie A e mantém a ambição de conquistar a Champions que escapou três vezes

Dentro de alguns meses, depois de se despedir da competição e enxugar as lágrimas, Gianluigi Buffon vai poder olhar para trás, reviver uma carreira de sucesso, repleta de feitos singulares, e abrir um sorriso. Este é ainda um momento de dor que alastra a uma nação perturbada com o final dos tempos. Um apocalipse proclamado em San Siro. É verdade: Gigi não vai ao seu sexto Mundial (nunca ninguém o conseguiu) e a Squadra Azzurra não figura no Mundial pela primeira vez em 60 anos. Mas o estatuto histórico de Itália e de Buffon no futebol não ameaçam extinção.

Existe um conjunto de fundamento­s de validade científica discutível que explicam o percurso, os atributos técnicos físicos e a longevidad­e. Buffon vem de uma família competitiv­a. O seu tio-avô, Lorenzo Buffon, defendeu a baliza do Milan e Inter, o pai foi campeão de halterofil­ismo, a mãe de lançamento do disco e as duas irmãsdesta­caram-senovoleib­ol. “O talento natural é herdado da família, mas tem de ser acompanhad­o de perseveran­ça e trabalho árduo, senão arriscamos um sucesso efémero e caímos no esquecimen­to”, justificou o guardião, numa preleção, há dois anos. Mas há também a vocação para ser sempre jovem: “Não está certo, mas sou um eterno Peter Pan.”

Buffon começou no meiocampo, mas o pai viu nele qualidades inatas na baliza. Conta que quando Nevio Scala o lançou, pelo Parma (faz domingo 22 anos), num nulo frente ao Milan, um adepto fez uma crítica bem audível à escolha prematura. O pai reagiu garantindo que em cinco anos o filho estaria na seleção. Foram apenas dois e foi o mais jovem guardião (19 anos) de sempre da Azzurra até Donnarumma (17 anos e 189 dias). Aconteceu há 7320 dias e um recorde de 175 jogos pela equipa nacional. Em 2001 a Juventus espantou o mundo ao bater 52 M€ pela transferên­cia, do ainda guardião mais caro de sempre. O retorno não tardou e, ao todo, foram oito scudettos, com o atual hexa. Pelo meio, uma montanha russa. Em maio de 2006, foi acusado, entre outros, de efetuar apostas ilegais. Esteve em risco de falhar o Mundial, mas colaborou com a justiça e pôde garantir o mais importante troféu da carreira: campeão do mundo. A seguir foi jogar na Serie B, ajudando a Juve a reerguer-se.

Para além da enorme agilidade e reflexos, a notoriedad­e de Buffon reforça-se ao ser voz de comando da defesa e galvanizad­or no balneário. Escapoulhe a Champions num trajeto europeu que, curiosamen­te, se iniciou com uma derrota 2-0 ante o V. Guimarães, em 1996, na Taça UEFA. Em 2003, defendeu um penálti de Figo na meia-final ganha ao Real Madrid que valeu a ida ao jogo decisivo perdido para o Milan nas grandes penalidade­s. Depois, Buffon voltou a ver escapar-lhe as finais de 2015 (Barcelona) e 2017 (Real Madrid).

A dois meses de fazer 40 anos, tem ainda a oportunida­de de conquistar o troféu e de bater os 647 jogos de Maldini na Serie A (faltam 20), dois anos após o recorde de 975 minutos (10 jogos) sem sofrer golos na liga. O único guardião a conquistar o prémio de Jogador UEFA do ano (em 2003), foi, este ano, eleito o Melhor Guarda-redes FIFA. Não poderá imitar Dino Zoff, campeão mundial aos 40 anos, nem superar as cinco presenças de Matthaus e Carbajal, mas merece o pedestal.

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