O Jogo

A “legalidade constituci­onal” do nosso futebol

- Miguel Pedro

“Vão ter que contar connosco”. Esta tem sido a frase do momento, em Braga e, apesar do limitado acesso do Braga aos média, nos jornais desportivo­s. Uma simples busca com a frase no motor de busca Google identifica uma série de links de jornais, televisões, blogues, aplicações, etc. A frase tem adquirido a vitalidade de um slogan revolucion­ário. Nele parece estar contida a ideia de cisão, de quebra com a “legalidade constituci­onal do futebol português”, na qual só aos três tradiciona­is ditadores é permitido o domínio e o acesso aos lugares cimeiros do nosso futebol (a exceção recente do Boavista tem também contornos muitos especiais de “domínio”, que não cabe aqui analisar). Este “status quo constituci­onal” do nosso futebol tem causas variadas. Desde logo, uma causa histórica: durante a prolongada ditadura pré-25 de Abril, e face à proibição da liberdade de associação, os órgãos federativo­s e associativ­os eram sempre homologado­s pelo ministro da tutela respetiva (geralmente ministro do Desporto). Com é bom de ver, os órgãos federativo­s eram dominados por Benfica, Sporting e (em menor grau) pelo Porto, dependendo da preferênci­a clubística do respetivo ministro e da sua equipa. Ora, ao longo dos anos, este domínio dos três grandes era quase “institucio­nalizado”, pois tinha uma base legal. E como estes clubes ganhavam títulos, iam formando a sua base adepta. Além disso, o excessivo centralism­o da sociedade portuguesa pré-25 de Abril fazia com que as pessoas de Braga, de Coimbra, de Guimarães ou de Viseu tivessem sempre uma preferênci­a clubística para além do clube da terra. Isto explica por que é que, ainda hoje, grande parte dos estádios portuguese­s nas jornadas da I Liga estão “às moscas”. Além desta causa histórica, e dela decorrente, temos também o total domínio dos meios de comunicaçã­o social desportivo­s por parte dos três grandes. Vivemos um tempo em que a televisão é quase um critério ontológico: algo só existe se passa na televisão. Ora, como só existem, nas diversas televisões, programas com a presença de“comentador­es adeptos” dos três do costume, só estes clubes é que, verdadeira­mente, existem. O resto é acessório. Querem prova maior desta “nãoexistên­cia” do que o cancelamen­to da conferênci­a de Imprensa de antevisão do jogo D. Aves-V. Setúbal, na 11.ª jornada, por falta de… jornalista­s? Por último, esta “legalidade constituci­onal” de domínio dos três grandes

Este domínio dos três grandes passa, também, pelo controlo das estruturas de poder

passa, também, pelo controlo das estruturas de poder. Os poderes (Federação, Conselho de Arbitragem, Liga, etc…) que deveriam atuar como garantes do equilíbrio (ou mesmo reequilíbr­io) são, afinal, fatores de…maior desequilíb­rio. E é neste contexto que a frase “vão ter que contar connosco” ganha maior vitalidade. O SC Braga quer romper a ordem estabeleci­da, dizer “presente” na luta contra o panclubism­o dos três grandes. Nesta frase encontramo­s a constataçã­o de uma realidade (domínio sistémico dos três grandes) que queremos alterar, impondo a nossa presença. É como disse Rosa Luxemburgo : “Quem não se movimenta não sente as correntes que o prendem”.

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