O medo é só uma parte
No passado dia 8, a Nazaré voltou aos noticiários. Desta vez, porém, o motivo não foi nenhum recorde, mas as imagens impressionantes da queda de Andrew Cotton, o surfista inglês de 38 anos que fraturou uma vértebra lombar. E que nos diz estar impaciente por voltar…
“Medo? É óbvio que sinto medo. À primeira vista, surfar ondas grandes é assustador e é claro que sinto medo, mas acho que isso é saudável e não significa que não o queira fazer”, explica-nos Andrew Cotton, inglês de 38 anos, menos de uma semana depois do aparatoso acidente que sofreu na Nazaré e sobre o qual se cumprem hoje 11 dias. Ainda combalido pela fratura da segunda vértebra lombar e à espera de regressar ao país natal para prosseguir a recuperação, Cotton já pensa em voltar ao “canhão”, o que estima possa acontecer “antes do final da temporada [de ondas grandes], lá para fevereiro ou março, apesar de os médicos terem dado um prazo de seis meses”.
As imagens de Cotton a levar com uma enorme massa de água que depois o projetou no ar e o fez cair, de forma violenta, sobre as costas – provocando-lhe a fratura –, correram mundo. “Surfar ondas grandes é algo pessoal”, reflete o natural de Braunton, no sudoeste inglês, onde – diz – ondas de dois metros são “enormes”. “O que é uma onda grande? Para ti pode ser grande e não o ser para outra pessoa. Quando eu era miúdo, uma onda de um metro era enorme. Depois fui progredindo para ondas maiores. Mas continuo sem conseguir dizer o que é uma onda grande (risos). Lembro-me de que quanto maiores eram as ondas, mais eu gostava…”
Uma viagem ao Havai, aos 19 anos, mudou a vida deste antigo canalizador. Foi no arquipélago que deu o surf ao mundo que experimentou pela primeira vez “ondas de sete ou oito metros”. “Não é tanto pela adrenalina, é mais a concentração. Uma onda de três segundos pode parecer uma hora”, justifica o surfista que desde há vários anos integra a equipa de Garrett McNamara.
João Guedes, de 32 anos e um dos mais versáteis surfistas portugueses, concorda com esse lado particular do desafio de surfar ondas grandes. “É algo muito pessoal. Há muitos profissionais de elite que não têm interesse nenhum.” Mas explica a atração de forma diferente do inglês: “O prazer é exatamente a adrenalina do desafio, da autossuperação.” No caso do surfista portuense, as ondas grandes surgiram desde muito cedo, porque sempre fascinaramaquele que o levou para o surf, o pai. “Quando eu era pequeno, ele fazia-me entrar em mar maior, que metia medo. Eu não queria ir e ele dizia-me: ‘Fazes uma [onda] e vais embora.’ Ainda hoje aplico essa filosofia antes de sessões de mar maior, quando estou mais nervoso. Entre ir ou não ir, prefiro tentar. Mesmo quando está muito extremo, a filosofia é sempre ‘OK, vamos ver’. Sempre em segurança, mas ir tentar apanhar aquela onda.”
Cotton lembra-se bem do “wipe-out”, o termo do surf para uma queda da prancha quando se leva com a onda em cima. “A diferença entre uma das melhores ondas da minha vida e a pior foi uma linha muito ténue”, aponta. Apesar do impacto brutal, mantevese sempre consciente. “Lembro-me do ‘wipe-out’. Mas só quando vi as imagens é que percebi melhor. Primeiro senti que estava a flutuar na água, que ia a voar na onda. E depois foi o mais intenso impacto que senti na minha vida, diretamente nas minhas costas”, descreve, acrescentando que mais de uma semana depois ainda sentia dores no corpo todo. João Guedes ainda não apanhou “aquele susto”, mas reconhece poder ser traumatizante. Mais importante, refere, é a consciência de se estar “em condições de risco”. “Temos de estar preparados física e psicologicamente.” O inglês, que percebeu de imediato estar “com uma lesão grave”, concorda: “Estou pre-
“O IMPACTO MAIS INTENSO DA MINHA VIDA”