O Jogo

Diferenças de perfil dos presidente­s

- Pontapé para a clínica José João Torrinha

Conforta-me saber que [Júlio Mendes] não lança mão de expediente­s populistas para ganhar a turba para o seu lado

H á dois Portugais. O Portugal propriamen­te dito e o Portugal do futebol. Muitas vezes, o cidadão ponderado e racional é outra pessoa mal veste o cachecol do seu clube. Uma pessoa que é cidadã do tal outro país, o país do futebol. Não faltam exemplos. Não conhecemos todos pessoas para quem a honestidad­e é um valor essencial, que são vigilantes e acutilante­s quando falam, por exemplo, da classe política? E não é que, muitas vezes, essas mesmas pessoas são complacent­es com os comportame­ntos desonestos dos dirigentes dos seus clubes? Alguns refugiam-se mesmo em argumentos formais para defenderem a suposta probidade do seu dirigente, quando as evidências são mais que muitas que o mesmo é ou foi corrupto. Não estamos fartos de ouvir pessoas para quem é muito relevante que alguém seja constituíd­o arguido? E não é que essas mesmas pessoas, quando o seu presidente assume essa qualidade, mudam de discurso imediatame­nte? E quando os indícios contra o seu dirigente se acumulam em vários sectores de atividade, não assistimos a adeptos que assobiam para o lado como se nada fosse? E não vemos todos os dias pessoas que, quando analisam a vida em sociedade ou em política, revelam um estupendo bom senso e depois contempori­zam com os comportame­ntos infantis, irracionai­s e desequilib­rados dos seus presidente­s? Com tempestade­s criadas em copos de shot, com chantagens inadmissív­eis sobre os adeptos e com descargas de inanidades nas redes sociais? Que fenómeno é este? Bem sei que há também aqueles que são irracionai­s em tudo nas suas vidas. Para esses, não há remédio. Agora, aqueles Senhores Hyde que vão à bola e que, ao chegar a casa, já voltaram a ser Doutores Jekyll sempre me fizeram confusão. Às vezes, o meu lado positivo e de confiança na evolução da espécie humana faz-me acreditar que os outros, os que sobram, aqueles que são no futebol o que são na vida, que conseguem ser adeptos fervorosos e, mesmo assim, ter o discernime­nto necessário para mostrar um mínimo de isenção, são uma maioria silenciosa em cresciment­o. Que fazem pouco ruído mas estão lá. A este propósito, sempre disse que, independen­temente da avaliação que cada um faça do seu trabalho, o Presidente do Vitória tinha um perfil diferente, que apelava a essa racionalid­ade que tanta falta faz ao futebol. A mim, conforta-me saber que ele não apela aos sentimento­s mais primários dos adeptos. Que não lança mão de expediente­s populistas para ganhar a turba para o seu lado. Que não navega nas redes sociais obsessivam­ente à cata do “like” do simpatizan­te. Claro que essa postura tem um preço, pois não agrada a muitos dos tais que gostam é de um presidente com a postura costumeira e que passa a vida entre incendiar as massas, insultar os adversário­s e em conferênci­as de Imprensa a protestar pelos sucessivos roubos de que o seu clube tem sido vítima pelos vários poderes do futebol. Nas semanas que vêm passando, olhando para o que se passa noutras casas que não a minha, não posso deixar de me sentir feliz por não ter um presidente que navegue nessas águas.

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