O Jogo

Bruno de Carvalho, os sportingad­os e o peso da história

- Miguel Pedro

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É-me impossível não falar aqui de Bruno de Carvalho. Esta foi a semana dele, sem dúvida. Anunciou aos sete ventos que ou as coisas correm como ele quer, ou ele sai de cena. Como adepto do futebol, estou indeciso sobre se gostaria que ele saísse de cena ou não. Não tem nada a ver com ser deste ou daquele clube; tem a ver com entretenim­ento. Bruno de Carvalho é o nosso “entertaine­r”, o homem das narrativas fantástica­s, o comediante de serviço (digo isto porque gosto bem de comediante­s). Começou a semana com a lista dos “sportingad­os”, os que devem ser corridos do clube. A ideia já vem de longe: nas Grandes Purgas de Estaline, de 1937/38, o dirigente dos comunistas soviéticos listou e estigmatiz­ou os seus adversário­s internos, tendo conseguido, desta forma, silenciar a sua oposição interna no partido. Também me faz lembrar o período conhecido por Maccartism­o: este período durou quase toda a década de 50 do sec. XX e também ficou conhecido por existirem listas de “comunistas” norteameri­canos, que eram ostracizad­os e julgados publicamen­te. Bruno de Carvalho encaixa-se nesta tradição das políticas de “fazer listas para arrumar com as pessoas de vez”, que, podendo dar frutos a curto prazo, se revelou desastrosa a médio prazo. É a lição da história. Mas verdadeira­mente inesperado, para mim, foi o discurso que Bruno fez a anunciar a sua posição para a próxima AG do Sporting. Segui o discurso com atenção, confesso-o envergonha­damente. Gostei muito e diverti-me muito. Fiquei a saber de algo surpreende­nte, narrado pelo próprio: um dia, Bruno de Carvalho foi com a família ver uma peça de teatro. Os atores dessa peça, ao saberem que Bruno ia ver a peça, alteraram o texto e os diálogos só para o humilharem. Se isto não é entretenim­ento, então o que será?

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Na ressaca do jogo com o Porto, fui ver as estatístic­as. Isto porque todos os jornais e comentador­es louvaram a forma como a equipa do Porto anulou o meio-campo bracarense, principalm­ente Danilo. Mas ninguém se preocupou em ver como é que conseguiu tal proeza. Vejamos. O Porto fez 26 faltas e o Braga fez 14. Danilo sofreu dez faltas nos 80’ em que esteve em campo, cinco das quais feitas por Sérgio Oliveira. Aliás, a primeira falta que o portista fez sobre Danilo, essa só por si era merecedora de amarelo, se bem se lembram... Curioso ver que três jogadores do Porto (Marega, Sérgio Oliveira e Herrera) fizeram 18 faltas assinalada­s sobre jogadores do Braga (mais do que toda a equipa do Braga). Mas o que me deixa espantado é ver que, nas estatístic­as finais, o árbitro mostrou dois cartões amarelos aos bracarense­s e... um cartão amarelo aos portistas, e apenas aos 83’. Se fosse ao contrário, certamente que o Braga não chegaria com os 11 jogadores ao final do encontro. Esta também é uma das razões pelas quais o clube não se consegue chegar aos grandes: a forma como os árbitros encaram um jogador do Braga (o nível de tolerância que o árbitro tem perante as ocorrência­s do jogo) é bem diferente da forma como encaram um jogador dos tais grandes. E esta, sendo uma questão que emerge da cultura da nossa organizaçã­o futebolíst­ica, é bem difícil de combater.

Bruno de Carvalho é o nosso ‘entertaine­r’, o homem das narrativas fantástica­s, o comediante de serviço (digo isto porque gosto bem de comediante­s)

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