A fábula francesa de Chesterton
Ando pelo Minho, o nosso país de campos verdes, onde, faça chuva ou faça sol, uma pessoa se sente em casa na natureza. Aqui, mesmo um irredimível citadino como eu sente qualquer coisa parecida com um apelo bucólico. Não, caros amigos, não estou a fazer pose de Jacinto queirosiano – é a pura verdade. Mas, perdoem-me, salto já para o nosso assunto.
Imaginemos, para começar, um dia fresquinho de fevereiro. Cruzando a paisagem limiana, meio bêbedo de ar livre, o cronista julga ver relvados retangulares a brotar do chão e põe-se a pensar no futebol como um fenómeno natural. Na cidade, o tabuleiro verde existe rodeado de betão, como um tesouro arrancado à pedra, e isso faz-nos olhar para a bola como assunto de cultura – isto é, coisa construída, acrescentada ao mundo. Mas talvez esta outra perspetiva “natural”, tão na moda aliás, nos possa abrir o pensar. Vai daí, chego à ideia de ciclos naturais aplicados ao jogo e, em especial, ao meu Benfica. Que depois do inverno vem a primavera; que nada se perde, tudo se transforma – esse tipo de coisa.
Num dos seus belos ensaios, Chesterton fala da fábula francesa do jovem pessimista. A história contase em três penadas. Farto de tudo, o jovem poeta decide suicidar-se no rio. No caminho para a morte, encontra um cego e oferecelhe os olhos. Depois encontra um surdo e dá-lhe os ouvidos. Mais à frente, cruza-se com um coxo e presenteia-o com as pernas; e assim até ao rio. Quando chega à margem, o “tronco humano” que é agora o poeta pessimista senta-se, ou deixa-se cair. Ali quieto, ocorre-lhe: Ah, então é isto a alegria de viver!
A paisagem minhota ensina-me que os ciclos da vida estão em tudo, e também no futebol, e o francês da fábula faz-me lembrar o Benfica desta época. Também nós entregámos a Liga dos Campeões, a Taça de Portugal e a Taça da Liga para redescobrirmos a alegria de jogar à bola. Perde-se um Krovinovic e transforma-se um Zivkovic. Os pontos são outra contagem, mas aquela reviravolta épica com o Rio Ave, por exemplo, já cá canta na memória para sempre.
Com o Boavista, continuámos com o futebol alegre. Cervi, nas alas, jogou muito; o sérvio do miolo também. Houve alegria a rodos: até deu para os centrais marcarem. Jonas falhou um penálti e, ainda assim, chegámos às quatro batatas. Ou muito me engano ou o ciclo do Glorioso voltou às primaveras. Ah, que alegria!
Entregámos a Liga dos Campeões, a Taça de Portugal e a Taça da Liga para redescobrirmos a alegria de jogar à bola