O futebol e a santa paciência
Nos “dias que correm”, a paciência é uma virtude cada vez mais rara e valiosa. Mesmo compreendê-la não é fácil. Perceber no que consiste exatamente. Rebaixamo-la tantas vezes ao confundi-la com um certo amochanço ou com a mais prosaica pachorra. Por outro lado, a paciência também é mais do que calma. Não quero vir para aqui armar-me em filósofo de domingo, mas talvez não seja um delírio imperdoável ver na paciência uma certa profundidade, certa sabedoria ou sageza, que se acrescenta à calma de cada dia. Também não se limita ao chamado sanguefrio. Sim, caros amigos, há um centro de mistério nisso da paciência. Seja o que for, parece ameaçado nestes tempos velozes e vorazes.
A paciência: ora aí está algo que podemos exercitar vendo a bola. Não, não estou a ser irónico. É que no futebol esse mistério da paciência continua a ser estudado, treinado e posto à prova pelos melhores. A primeira lição é que a paciência não tem de ser lenta ou chata. No futebol, aliás, a paciência tem modelos diferentíssimos, quase contraditórios. No tiki-taka, por exemplo, a paciência consiste em resistir à tentação de guardar a bola nos pés para que ela possa dançar em direção ao beijo das redes contrárias. Já no velho “catenaccio” traduz-se em aguentar que o adversário bata à porta as vezes que for preciso até que este acabe por se distrair. No futebolarte que o Brasil exporta, a paciência é a de artesãos e artistas (porque, se há a arte de um pintor ou de um poeta, também há a arte de um carpinteiro ou de um alfaiate). Há ainda a paciência de xadrez do moderno futebol posicional. Etc., etc.
Por favor, tenham paciência, caros leitores. Chego já ao assunto da crónica: com o Vitória de Setúbal, e à frente no campeonato depois de tanta jornada “em perseguição” (como se diz no ciclismo, esse pacientíssimo desporto), o Glorioso tinha de ser – exato, como é que adivinharam? – paciente, pois. No sentido próprio: sem moleza nem tremedeira.
Mas a coisa começou pior que mal. Nem tínhamos saído do balneário e já estávamos sem Jonas; nem tinham passado três minutos e já corríamos atrás do prejuízo. Pela frente, esperava-nos uma eternidade de paciência. Abanámos e complicámos, sim, mas soubemos estar à altura da virtude misteriosa quando teve de ser. E, no final, que maravilha. Rafa, Jiménez, Zivkovic e todos – que lição, muito obrigado.
O Glorioso tinha de ser – exato, como é que adivinharam? – paciente, pois. E no sentido próprio: sem moleza