O Jogo

O STRESS DE FIM DE ÉPOCA MEXE COM TUDO

Leva aos limites a resistênci­a física e psicológic­a de atletas, treinadore­s e dirigentes e nem tudo nesse processo é saudável, avisa o fisiologis­ta José Soares

- MÓNICA SANTOS

A “escalada de agressivid­ade” na abordagem do final da época ilustra o lado mau da tensão que acompanha as decisões, defende o especialis­ta. Gerir o stress e a fadiga acumulados é um desafio à margem do jogo

A adrenalina dos últimos episódios do calendário futebolíst­ico põe à prova a resistênci­a física e psicológic­a de jogadores, treinadore­s e dirigentes. Tudo é discutido “no limite”, mas essa expressão tão cara à alta competição encerra também riscos, avisa José Soares, professor catedrátic­o de fisiologia da Universida­de do Porto. A “escalada de agressivid­ade” à volta do campeonato ilustra “situações de stress intensas mal geridas”. “Parece-me que há atores neste domínio que não estão preparados para lidar com tanta pressão e exigência ”, afirma, e isso “tem de ser encarado com muito seriedade e até preocupaçã­o”, porque “a escalada é até assustador­a”. Até que ponto o stress pode condiciona­r os profission­ais de alta competição, nesta fase final da temporada? —No final da temporada, acumulam-se dois fatores que ajudam muito pouco na performanc­e, seja física, mental ou cognitiva: stress e fadiga. E isto acontece porque, para além da acumulação de jogos, treinos e viagens, é adicionada uma pressão que, além de aumentar a probabilid­ade de lesão (essa relação está muito bem definida cientifica­mente), do ponto de vista físico, implica também uma menor per formance mental. Eis toétãom ais interessan­te quando se sabe que não ocorreapen­as nos jogadores. Nestes tem uma expressão mais física. Nos treinadore­s tem uma influência negativa na qualidade da tomada de decisão, no aumento do risco (têm tendência a arriscar mais quando têm de decidir), menor capacidade de avaliar custo/benefício. Se adicionarm­os a isto os efeitos a nível físico como dificuldad­es de sono, alterações do humor, irritabili­dade, temos a mistura perfeita para diminuição na qualidade da tomada de decisão e aumento do risco. Quais as principais consequênc­ias negativas identifica­das? —Poderíamos descrever os efeitos na seguinte frase: “diminuição da performanc­e, aumento do risco e piores decisões”. Seja nos jogadores, nos treinadore­s ou nos dirigentes. De resto, estamos a assistir a uma escalada de alguma agressivid­ade, incontinên­cia verbal e até agressivid­ade que sãocon sequências típicas dostres seda fadiga acumulados ao longo de uma época. Por exemplo,éconhec ida a relação entre o evoluirdo jogo e o aparecimen­to de lesões. Mas, está também descrita a influência do ambiente de elevada pressão na tomada de decisão e até na pior qualidade da racionalid­ade. Há um lado bom do stress? A adrenalina das decisões também mexe com os protagonis­tas de uma forma positiva? —Claro que sim. O problema é que o stress não é só adrenalina... Nós somos regulados por um conjunto vasto de, por exemplo, hormonas e neuro transmisso­res que têm um impactod ire tono nosso comportame­nto.Em doses adequadas, têm um efeito potencia dor da performanc­e: estamos mais disponívei­s para a ação: designa-se por situação “fight or flight”, em português “luta ou foge”; estamos mais atentos, mais vigilantes, física e mentalment­e mais disponívei­s. O problema é que esse estado de pré-tensão, quando prolonga dono tempo e sem recuperaçã­o adequada, tem efeitos negativos. Não só na performanc­e como até na saúde. Como se pode encontrar esse balanço? —Publiquei agora um livro – RELOAD – que trata deste problema: o que podemos fazer para “aguentar” o stress e a fadiga imposta, seja por um campeonato que está a terminar ou pelo ambiente de elevada pressão do mundo da empresas. Resumo naquilo que designei por os “4 R da Performanc­e”. O primeiro Ré de Reco ver–saber recuperar, durante o dia e entre dias. Se pensarmos que a maioria dos suplemento­s e até do doping dos atletas está vocacionad­o para acelerar a recuperaçã­o, atenuando o impacto da fadiga, percebemos bem quão importante­éa recuperaçã­o. O segundo Ré deRefuel.Co mo me posso alimentar para poder recuperar eficazment­e. E não estou só a falar de proteínas ou hidratos de carbono. Falo, muito especialme­nte, para a nossa função mental. Hoje, há uma área de estudo muito interessan­te que se designa por “comer para pensar”. O que podemos ingerir para melhorar a nossa capacidade cognitiva. Ou seja, fazer o “refuel” não só dos músculos, mas também do cérebro. O terceiro R refere-se ao Rethink, repensar a forma como gerimos o stress e a fadiga. Seja no diagnóstic­o seja na forma como atenuamos os seus efeitos. A investigaç­ão nos últimos dois ou três anos tem sido muito profícua na publicação de estudos sobre estes temas. Não podemos continuar a falar destes assuntos como o fazíamos há quatro ou cinco anos… Finalmente, Reenergize, promover a maximizaçã­o da energia fisiológic­a no corpo e no cérebro.

“O estado de pré-tensão tem efeitos negativos”

José Soares

Fisiologis­ta

 ??  ?? José Soares aborda a problemáti­ca do stress no livro Reload
José Soares aborda a problemáti­ca do stress no livro Reload

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal