ANDÁMOS A BRINCAR
E agora surpreendemo-nos?
Tenho dificuldade em perceber o choque com que tantos receberam a notícia da entrada de Mário Machado no processo eleitoral da Juve Leo. Surpreendê-los-á que uma claque de futebol se torne atraente para a extrema-direita? Acharão súbita essa atração? Deixá-los-á estupefactos a aparente vulnerabilidade de uma claque à promessa (expressa ou não) de endurecimento do discurso e dos métodos? Parece que estivemos a falar para o boneco, todos aqueles que há anos vimos alertando para o que as claques de futebol significam (e podem significar). Mesmo o que aconteceu em Alcochete: quantos de nós escreveram que estávamos em risco de que acontecesse uma coisa assim? E quantos aceitarão agora que, bem vistas as coisas, ainda foi uma sorte aquele ataque ter acabado como acabou, inclusive sem uma morte? Tenham paciência: não é Mário Machado. Não é a Juve Leo sequer. São as claques. E, se calhar, nem sequer são as claques: é o futebol. A própria sociedade ocidental. O tempo em que vivemos, a desigualdade de oportunidades, a falta de coesão dos Estados, a substituição do homem pela máquina, o tédio, o vazio de horizontes. Toda a gente que pode se aproveita desse desconcerto, às vezes para o mal e outras para o muito mal. Mário Machado tem um currículo assustador, evidentemente. Por outro lado, com ele, sempre sabemos ao que andamos. E ao menos com a sua entrada em cena começamos, finalmente, a perceber alguma coisa sobre os riscos em que andamos a incorrer há tantos anos – cada ano mais do que no anterior. Antes fosse esta a doença, mas infelizmente é só o sintoma. De resto, Machado esteve preso uma série de anos. Pagou por pelo menos alguns dos seus crimes. Quantos, em Portugal, nunca chegaram ou chegarão a pagar pela exploração do outro, pela delapidação persistente das suas oportunidades e expectativas, pelo roubo?