O Jogo

Livres na casa dos crescidos

- Jacinto Lucas Pires

Eis que, de repente, passaram quatro anos. Aqui estamos, caros amigos, de novo: é o Mundial, o Mundial, o Mundial. Não há verões melhores para inesquecer do que estes. É um excesso de alegria, não é verdade?, perdoem-me se até invento palavras. Perdoem-me se até colo aqui frases soltas. Nunca terá feito tanto sol na Rússia. A redondinha vai derreter o gelo mau que há para aquelas partes do planeta. Peguemos nas cadernetas, nas cervejas, aqui vai disto. Se o futebol quotidiano é a hipótese de voltarmos a ser crianças, então os Mundiais são a oportunida­de de termos a casa dos crescidos só para nós. Uma casa de tanta história mas que só funciona se a desarrumar­mos alegrement­e como da primeira vez. Aqui estamos, de novo.

Todo o Mundial é duplo: por um lado, é a hora solene, sagrada, o ritual bissexto; por outro, o mês raríssimo do futebol doido, em estado puro. Se há altura em que o cronista pode ser perdoado do pecado da grandiloqu­ência, é esta, quando começa um Mundial de futebol — por isso, permitam-me, amigos, que o diga: este é o templo do puro amor pela bola. A casa dos nomes sagrados: Edson Arantes do Nascimento Pelé, Diego Armando Maradona, Eusébio da Silva Ferreira. O Olimpo dos deuses dos pés inteligent­es, a caixa negra das emoções do mundo. Nunca esquecerei Zico e aquele Mundial de Espanha, onde fiquei para sempre apanhado pelo futebol-arte e percebi pela primeira vez que o destino podia ser injusto.

Nessa altura, o futuro era o ano 2000. Agora já atravessám­os para o outro lado dos amanhãs, caramba, e Portugal é campeão da Europa. Os Mundiais também servem como faróis de tempo, para vermos como foi mudando o mundo. Por exemplo: se, em 1986, o “caso Saltillo” era sobre falta de dinheiro e luta de classes, em 2018 o “caso Lopetegui” já é sobre excesso de dinheiro e desregulaç­ão…

Mas agora, silêncio, que a bola já rola – e Portugal entrou com tudo. Empatámos a três batatas com Espanha mas, “moralmente”, foi uma vitória. Soubemos surpreende­r, e dar a volta à tristeza, e descobrimo­s que temos Cristiano em estado “Ronaldo”. Foi o melhor jogo até agora, na Rússia, mas foi mais do que isso. Um clássico instantâne­o, daqueles que, no momento em que o estamos a ver, já o estamos a lembrar. “Saudades do futuro”, já dizia o outro, não é verdade? É o futebol da nossa alegria. É o Mundial, o Mundial, o Mundial.

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Descalço na Catedral

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