O Jogo

RONALDO PÔS A CABEÇA EM BOAS MÃOS

A incapacida­de de Portugal para ter bola foi confranged­ora e pode falar-se mais de falta de pontaria do que de acerto defensivo para segurar a vitória. Quem ganha um jogo destes pode sonhar em... jogar bem

- CARLOS MACHADO

Uma cabeçada mortífera de Cristiano Ronaldo determinou, outra vez, a efabulação de mais um jogo mentiroso de Portugal no Mundial russo. Para a história, a estatístic­a vai tratar de uma narrativa de sucesso não correspond­ente ao desempenho da equipa. Empatar com Espanha por ação (ações, muitas) de um futebolist­a genial pode não constituir satisfação total mas confortao ego,é- possíveles­conder o verdadeiro rendimento coletivo. Ronaldo foi a mentira do rendimento de Portugal, mas, que diabo!, ele é português, quem o tem sabe aquilo de que é capaz e os espanhóis formam uma equipa entre o temível e o terrível, pelo muito que jogam e pela forma específica como o fazem. Passar 90 minutos encostado às cordas frente a Marrocos é que não faz sentido. Se o empate anterior foi reconforta­nte, a vitória de ontem foi preocupant­e. Valeu pelos três pontos para alimentar o sonho, mas deixou de herança um exemplo a não repetir. Esperavam-se duas alterações na equipa, mas Fernando Santos fez apenas uma. Trocou Bruno Fernandes por João Mário e manteve a aposta em

Gonçalo Guedes, a quem precisa de explicar urgente e claramente uma coisa (isto se pretender mantê-lo no onze): tem de ser capaz de jogar sem pedir licença; perceber que Ronaldo é um fantástico companheir­o de equipa, o farol do grupo, mas há momentos de jogo sem ele. Cabe aqui esta referência pela facto de Guedes ter sido dos poucos, ainda assim, que aqui e ali teve bola mas esteve sempre demasiado preocupado com o destino a dar-lhe. O resto da equipa foi um desastre num desafio de conflitos. O golo cedo de Ronaldo deveria ter contribuíd­o para acalmar a equipa. Pausar o jogo, escolher o ritmo, esconder a bolados marroquino­s e explorar- lhes as fragilidad­es quando tivessem de se expor na procura do empate. Esta era a receita simples para o sucesso. Os jogadores sabiam-no, mas de nada adiantou, porque fizeram exatamente o contrário, sendo aflitivo o facto de não conseguire­m ligar dois passes seguidos. Tal como acontecera com a Espanha, a seguir ao golo deixaram-se encostar mas com um problema acrescido: os jogadores portuguese­s não têm por Marrocos o mesmo respeito que têm pela Espanha, pelo que a abordagem foi diferente, a concentraç­ão menor e a organizaçã­o tremeu. Belhanda não é Iniesta mas foi tanto ou mais perigoso do que o espanhol por dispor de uma liberdade que não poderia ter. Os defesas-laterais portuguese­s sofreram de uma forma confranged­ora, tanto pelo desempenho individual como pela falta de apoio. Bernardo Silva e João Mário, os homens da condução e da posse de bola andaram perdidos.

Marrocos era mais forte nos duelos e, por isso, ganhava a primeira bola e a segunda. Por isso, os médios portuguese­s passaram o tempo todo atrás da bola em vez de a jogarem. A subida de rendimento dos centrais permitiu a Portugal minimizar um pouco a dor, mas não faz sentido, de todo, que depois do pouco respeito inicial mostrado pelo adversário – os tais minutos em que a estrutura abanou quando os marroquino­s esperneara­m a seguir ao 1-0 –, a equipa portuguesa se tenha dado ao sofrimento com um conformism­o arrepiante. Tirar a bola da área, umas vezes com nexo outras sem ele, e confiar em Rui Patrício (tudo o que fez foi perfeito) tornou-se uma espécie de desígnio coletivo. Ser capaz de guardar a vantagem até ao fim foi a única parte positiva de uma exibição que, distribuíd­a numa linha qualitativ­a, tem um fosso enorme entre Rui Patrício e Cristiano Ronal- do, o mais recuado e o mais adiantado. Porque a falta de capacidade para controlar o jogo pôs toda a gente em causa.O papel de João Moutinho, um dos melhorzinh­os, não deveria ser dobrar os centrais e fê-lo por duas vezes (na primeira parte) em que a defesa se desposicio­nousem sentido. Porque esse foi um cenário frequente ao longo da partida.

A tentativa de emendar a mão compondo um meio-campo a três – William a trinco com Moutinho e João Mário como médios interiores – serviu apenas para aliviar um pouco o sofrimento de Guerreiro, porque a bola continuou a ser dos marroquino­s. E se há a lamentar uma oportunida­de de golo esbanjada por Guedes, isolado por Ronaldo, do lado do adversário as perdidas foram confranged­oras. E Rui Patrício fez uma defesa do outro mundo. Ontem só mesmo o golo e a irritação final do selecionad­or fizeram sentido.

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