RONALDO PÔS A CABEÇA EM BOAS MÃOS
A incapacidade de Portugal para ter bola foi confrangedora e pode falar-se mais de falta de pontaria do que de acerto defensivo para segurar a vitória. Quem ganha um jogo destes pode sonhar em... jogar bem
Uma cabeçada mortífera de Cristiano Ronaldo determinou, outra vez, a efabulação de mais um jogo mentiroso de Portugal no Mundial russo. Para a história, a estatística vai tratar de uma narrativa de sucesso não correspondente ao desempenho da equipa. Empatar com Espanha por ação (ações, muitas) de um futebolista genial pode não constituir satisfação total mas confortao ego,é- possívelesconder o verdadeiro rendimento coletivo. Ronaldo foi a mentira do rendimento de Portugal, mas, que diabo!, ele é português, quem o tem sabe aquilo de que é capaz e os espanhóis formam uma equipa entre o temível e o terrível, pelo muito que jogam e pela forma específica como o fazem. Passar 90 minutos encostado às cordas frente a Marrocos é que não faz sentido. Se o empate anterior foi reconfortante, a vitória de ontem foi preocupante. Valeu pelos três pontos para alimentar o sonho, mas deixou de herança um exemplo a não repetir. Esperavam-se duas alterações na equipa, mas Fernando Santos fez apenas uma. Trocou Bruno Fernandes por João Mário e manteve a aposta em
Gonçalo Guedes, a quem precisa de explicar urgente e claramente uma coisa (isto se pretender mantê-lo no onze): tem de ser capaz de jogar sem pedir licença; perceber que Ronaldo é um fantástico companheiro de equipa, o farol do grupo, mas há momentos de jogo sem ele. Cabe aqui esta referência pela facto de Guedes ter sido dos poucos, ainda assim, que aqui e ali teve bola mas esteve sempre demasiado preocupado com o destino a dar-lhe. O resto da equipa foi um desastre num desafio de conflitos. O golo cedo de Ronaldo deveria ter contribuído para acalmar a equipa. Pausar o jogo, escolher o ritmo, esconder a bolados marroquinos e explorar- lhes as fragilidades quando tivessem de se expor na procura do empate. Esta era a receita simples para o sucesso. Os jogadores sabiam-no, mas de nada adiantou, porque fizeram exatamente o contrário, sendo aflitivo o facto de não conseguirem ligar dois passes seguidos. Tal como acontecera com a Espanha, a seguir ao golo deixaram-se encostar mas com um problema acrescido: os jogadores portugueses não têm por Marrocos o mesmo respeito que têm pela Espanha, pelo que a abordagem foi diferente, a concentração menor e a organização tremeu. Belhanda não é Iniesta mas foi tanto ou mais perigoso do que o espanhol por dispor de uma liberdade que não poderia ter. Os defesas-laterais portugueses sofreram de uma forma confrangedora, tanto pelo desempenho individual como pela falta de apoio. Bernardo Silva e João Mário, os homens da condução e da posse de bola andaram perdidos.
Marrocos era mais forte nos duelos e, por isso, ganhava a primeira bola e a segunda. Por isso, os médios portugueses passaram o tempo todo atrás da bola em vez de a jogarem. A subida de rendimento dos centrais permitiu a Portugal minimizar um pouco a dor, mas não faz sentido, de todo, que depois do pouco respeito inicial mostrado pelo adversário – os tais minutos em que a estrutura abanou quando os marroquinos espernearam a seguir ao 1-0 –, a equipa portuguesa se tenha dado ao sofrimento com um conformismo arrepiante. Tirar a bola da área, umas vezes com nexo outras sem ele, e confiar em Rui Patrício (tudo o que fez foi perfeito) tornou-se uma espécie de desígnio coletivo. Ser capaz de guardar a vantagem até ao fim foi a única parte positiva de uma exibição que, distribuída numa linha qualitativa, tem um fosso enorme entre Rui Patrício e Cristiano Ronal- do, o mais recuado e o mais adiantado. Porque a falta de capacidade para controlar o jogo pôs toda a gente em causa.O papel de João Moutinho, um dos melhorzinhos, não deveria ser dobrar os centrais e fê-lo por duas vezes (na primeira parte) em que a defesa se desposicionousem sentido. Porque esse foi um cenário frequente ao longo da partida.
A tentativa de emendar a mão compondo um meio-campo a três – William a trinco com Moutinho e João Mário como médios interiores – serviu apenas para aliviar um pouco o sofrimento de Guerreiro, porque a bola continuou a ser dos marroquinos. E se há a lamentar uma oportunidade de golo esbanjada por Guedes, isolado por Ronaldo, do lado do adversário as perdidas foram confrangedoras. E Rui Patrício fez uma defesa do outro mundo. Ontem só mesmo o golo e a irritação final do selecionador fizeram sentido.