BOA SELEÇÃO COMEÇA NA CABEÇA
Há uma preponderância da condição psicológica dos jogadores para criar o ambiente de sintonia coletiva que é determinante para o sucesso numa grande competição, como o Mundial’2018. Além dos afinamentos técnico-táticos, uma boa seleção, competitiva, começ
Há muitos grupos e poucas equipas. A criação da coesão entre jogadores ganha jogos e títulos nas seleções. Mais vale perder um jogador do que o plantel e ganhar um título
A “dor de costas” pode ter-se deslocado para outra zona do corpo de Nikola Kalinic (cotovelo?), que hoje (16h00) falha a final do Mundial’2018, entre França e Croácia. O croata pôs em causa valores sacramentais para o sucesso de uma seleção: o espírito de grupo (ver texto à parte). As grandes competições entre equipasrepresentantesdepaíses começam a ganhar-se pela cabeça. Motivação, união, mentalidade ganhadora e agregadora, mais convivência saudável de um grupo isolado do mundo até cerca de 50 dias, garantem uma base que não se desmorona, o que tornaria estéril o talento, a capacidade física e a sagacidade técnico-tática.
“É preferível perder um jogador a perder o grupo”, diz Paulo Duarte, que nos últimos dez anos tem sido essencialmente selecionador (dois anos no Gabão e cinco no Burquina Faso, com contrato até final da CAN – Taça das Nações Africanas –, em junho de 2019). “Sei bem o quão importante é a componente psicológica e a criação de bom ambiente para o sucesso de um grupo, porque se trabalha contra o tempo, mais reduzido do que nos clubes, porque os jogadores são titulares nos clubes e chegam a pensar que vão jogar todos, e não vão”, contextualiza.
Curiosamente, Jorge Costa também já orientou o Gabão. Além disso, representou a seleção portuguesa em torneios europeusemundiaisemtodos os escalões (foi campeão do mundo sub-20 em 1991). “Há uma preponderância da condição psicológica nas seleções”, assume. “Num grande torneio, impõem-se o compromisso e o sacrifício. Já tive momentos em que tive de pensar muito bem se chamava determinados jogadores que aumentavam as soluções táticas porquenãoqueriacomprometer o equilíbrio do grupo”, assume o técnico, tal como os outros colegas ouvidos neste trabalho.
Todososselecionadoreseantigos internacionais contactados por O JOGO sublinham o óbvio: é preciso haver talento, planeamento, organização e competência a todos os níveis. Mas depois, como diz outro ilustre internacional português, Hélder Postiga, é preciso lidar com a saturação no “reality show” a que são sujeitos atletas habituados a jogar sempre e a alto nível. “Estamos juntos muito tempo e a satu- ração chega rapidamente. É preciso incutir uma dinâmica de vitória na mente e no campo. A ganhar, é tudo mais fácil, porque depois há 11 todos contentes, três ou quatro que vão entrando e muitos insatisfeitos”, diz Postiga quase sem tirar a pele de jogador, ele que agora, arrumadas as botas, tem surgidocomocomentador.Por estasrazões,PauloDuartepromoveu atividades interativas na CAN’2017, levando os internacionais do Burquina Faso a andar de camelo e a fazer apostasentreeles,ouacompetir em pistas de karting. O resultado foi um espampanante 3.º lugar na CAN’2017 (superando o isolado resultado da prova que organizou em 1998, o 4.º lugar).
Rui Águas, que já foi adjunto da seleção portuguesa com Artur Jorge e é selecionador de Cabo Verde, sublinha que “a intervenção técnica numa seleção é mais reduzida do que num clube”. “Temos de otimizar as informações que recolhemos nos contactos regulares, nas observações constantes, ao vivo e através do vídeo, para formarmos um grupo homogéneo”,diz.“Seumjogador põe em causa o ambiente por ser suplente, é melhor não o convocar”, assume.
Nas modalidades de pavilhão, o peso do equilíbrio psicológico e a resistência à adversidade têm igualmente um peso decisivo. “Todos os selecionadores perseguem atletas com espírito de mis-
“Há uma preponderância da condição psicológica nas seleções. Num grande torneio impõemse o compromisso e o sacrifício”
Jorge Costa
Treinador
são”, alerta Paulo Jorge Pereira, selecionador da equipa de andebol masculina. “Temos tentado trabalhar com peritos o estado mental para que os jogadores se convençam de que se podem bater com os melhores. Eu também tento fazer passar a mensagem do guerreiro comprometido com a equipa”, avança o treinador que acumula Portugal com o CSM Bucareste, clube da Roménia.
JorgeBraz tem um panorama semelhante ao de Fernando Santos na Seleção de futsal, atual campeã europeia. “O Ricardinho é uma vantagem competitiva. Além disso, é aglutinador, sempre de braço estendido para ajudar, e isso acaba por ser mais importante do que a qualidade, embora ele jogue a um nível inacessível no mundo”, enquadra o responsável. “Tem de haver cedências individuais e espírito de compromisso, porque grupos há muitos, equipas há poucas ”, conclui. É consensual que o CR7 é uma mais-valia desportiva, mas não só. “Por mérito dele e do Fernando Santos, assume uma liderança natural, sem contestações, e faz a diferença dentro do campo”, resume Jorge Costa.
“Tentamos ao máximo manter o mesmo grupo. Mudar 5/6 atletas tornaria o processo mais difícil” Paulo Jorge Pereira Selecionador de andebol “Vimos um Cristiano Ronaldo aglutinador. Grupos há muitos, equipas há poucas” Jorge Braz Selecionador de futsal “Parece que esta mos num ‘reality show’, muito tempo juntos, a fazer tudo juntos. Em pouco tempo satura-se” Hélder Postiga Ex-futebolista internacional “Se põe em causa o ambiente por ser suplente, é melhor não convocar esse jogador” Rui Águas Selecionador de Cabo Verde “O Euro’2016 foi ganho mais pelo espírito de equipa do que pelo futebol que jogávamos” Jorge Costa Treinador “Sei bem o quão importante é a componente psicológica e o bom ambiente, porque depois não jogam todos” Paulo Duarte Selecionador do Burquina Faso