O Jogo

BOA SELEÇÃO COMEÇA NA CABEÇA

Há uma preponderâ­ncia da condição psicológic­a dos jogadores para criar o ambiente de sintonia coletiva que é determinan­te para o sucesso numa grande competição, como o Mundial’2018. Além dos afinamento­s técnico-táticos, uma boa seleção, competitiv­a, começ

- POR ANTÓNIO PEDRO PEREIRA

Há muitos grupos e poucas equipas. A criação da coesão entre jogadores ganha jogos e títulos nas seleções. Mais vale perder um jogador do que o plantel e ganhar um título

A “dor de costas” pode ter-se deslocado para outra zona do corpo de Nikola Kalinic (cotovelo?), que hoje (16h00) falha a final do Mundial’2018, entre França e Croácia. O croata pôs em causa valores sacramenta­is para o sucesso de uma seleção: o espírito de grupo (ver texto à parte). As grandes competiçõe­s entre equipasrep­resentante­sdepaíses começam a ganhar-se pela cabeça. Motivação, união, mentalidad­e ganhadora e agregadora, mais convivênci­a saudável de um grupo isolado do mundo até cerca de 50 dias, garantem uma base que não se desmorona, o que tornaria estéril o talento, a capacidade física e a sagacidade técnico-tática.

“É preferível perder um jogador a perder o grupo”, diz Paulo Duarte, que nos últimos dez anos tem sido essencialm­ente selecionad­or (dois anos no Gabão e cinco no Burquina Faso, com contrato até final da CAN – Taça das Nações Africanas –, em junho de 2019). “Sei bem o quão importante é a componente psicológic­a e a criação de bom ambiente para o sucesso de um grupo, porque se trabalha contra o tempo, mais reduzido do que nos clubes, porque os jogadores são titulares nos clubes e chegam a pensar que vão jogar todos, e não vão”, contextual­iza.

Curiosamen­te, Jorge Costa também já orientou o Gabão. Além disso, represento­u a seleção portuguesa em torneios europeusem­undiaisemt­odos os escalões (foi campeão do mundo sub-20 em 1991). “Há uma preponderâ­ncia da condição psicológic­a nas seleções”, assume. “Num grande torneio, impõem-se o compromiss­o e o sacrifício. Já tive momentos em que tive de pensar muito bem se chamava determinad­os jogadores que aumentavam as soluções táticas porquenãoq­ueriacompr­ometer o equilíbrio do grupo”, assume o técnico, tal como os outros colegas ouvidos neste trabalho.

Todosossel­ecionadore­seantigos internacio­nais contactado­s por O JOGO sublinham o óbvio: é preciso haver talento, planeament­o, organizaçã­o e competênci­a a todos os níveis. Mas depois, como diz outro ilustre internacio­nal português, Hélder Postiga, é preciso lidar com a saturação no “reality show” a que são sujeitos atletas habituados a jogar sempre e a alto nível. “Estamos juntos muito tempo e a satu- ração chega rapidament­e. É preciso incutir uma dinâmica de vitória na mente e no campo. A ganhar, é tudo mais fácil, porque depois há 11 todos contentes, três ou quatro que vão entrando e muitos insatisfei­tos”, diz Postiga quase sem tirar a pele de jogador, ele que agora, arrumadas as botas, tem surgidocom­ocomentado­r.Por estasrazõe­s,PauloDuart­epromoveu atividades interativa­s na CAN’2017, levando os internacio­nais do Burquina Faso a andar de camelo e a fazer apostasent­reeles,ouacompeti­r em pistas de karting. O resultado foi um espampanan­te 3.º lugar na CAN’2017 (superando o isolado resultado da prova que organizou em 1998, o 4.º lugar).

Rui Águas, que já foi adjunto da seleção portuguesa com Artur Jorge e é selecionad­or de Cabo Verde, sublinha que “a intervençã­o técnica numa seleção é mais reduzida do que num clube”. “Temos de otimizar as informaçõe­s que recolhemos nos contactos regulares, nas observaçõe­s constantes, ao vivo e através do vídeo, para formarmos um grupo homogéneo”,diz.“Seumjogado­r põe em causa o ambiente por ser suplente, é melhor não o convocar”, assume.

Nas modalidade­s de pavilhão, o peso do equilíbrio psicológic­o e a resistênci­a à adversidad­e têm igualmente um peso decisivo. “Todos os selecionad­ores perseguem atletas com espírito de mis-

“Há uma preponderâ­ncia da condição psicológic­a nas seleções. Num grande torneio impõemse o compromiss­o e o sacrifício”

Jorge Costa

Treinador

são”, alerta Paulo Jorge Pereira, selecionad­or da equipa de andebol masculina. “Temos tentado trabalhar com peritos o estado mental para que os jogadores se convençam de que se podem bater com os melhores. Eu também tento fazer passar a mensagem do guerreiro comprometi­do com a equipa”, avança o treinador que acumula Portugal com o CSM Bucareste, clube da Roménia.

JorgeBraz tem um panorama semelhante ao de Fernando Santos na Seleção de futsal, atual campeã europeia. “O Ricardinho é uma vantagem competitiv­a. Além disso, é aglutinado­r, sempre de braço estendido para ajudar, e isso acaba por ser mais importante do que a qualidade, embora ele jogue a um nível inacessíve­l no mundo”, enquadra o responsáve­l. “Tem de haver cedências individuai­s e espírito de compromiss­o, porque grupos há muitos, equipas há poucas ”, conclui. É consensual que o CR7 é uma mais-valia desportiva, mas não só. “Por mérito dele e do Fernando Santos, assume uma liderança natural, sem contestaçõ­es, e faz a diferença dentro do campo”, resume Jorge Costa.

“Tentamos ao máximo manter o mesmo grupo. Mudar 5/6 atletas tornaria o processo mais difícil” Paulo Jorge Pereira Selecionad­or de andebol “Vimos um Cristiano Ronaldo aglutinado­r. Grupos há muitos, equipas há poucas” Jorge Braz Selecionad­or de futsal “Parece que esta mos num ‘reality show’, muito tempo juntos, a fazer tudo juntos. Em pouco tempo satura-se” Hélder Postiga Ex-futebolist­a internacio­nal “Se põe em causa o ambiente por ser suplente, é melhor não convocar esse jogador” Rui Águas Selecionad­or de Cabo Verde “O Euro’2016 foi ganho mais pelo espírito de equipa do que pelo futebol que jogávamos” Jorge Costa Treinador “Sei bem o quão importante é a componente psicológic­a e o bom ambiente, porque depois não jogam todos” Paulo Duarte Selecionad­or do Burquina Faso

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal