O Jogo

O adepto põe o coração no gelo

- Descalço na Catedral Jacinto Lucas Pires

Pois aqui estamos, caros amigos, em plena pré-época. Esta estação difícil, em que é pedido ao adepto o mais doloroso dos trabalhos: que não sofra, não se alegre, que guarde o seu coração em gelo como um atleta depois de uma peladinha mais forte. Este novo Benfica ganhou ao todo-poderoso Dortmund, mas temos de manter a cabeça fria, os pés na terra e a alma amarradinh­a aos lugares-comuns da praxe. Ainda é só a feijões, caramba, é preciso ter calma. Não, pois, não é fácil a vida de um adepto nesta estação de talvezes e portas entreabert­as.

Tem qualquer coisa de ensaio teatral a preparação de uma equipa de bola. Nesta fase da pré-época, já dá para começar a perceber o texto – a pauta de míster Vitória, por exemplo, volta a oscilar entre um 4x3x3 de meiocampo forte e um 4x4x2 com Jonas a cabeça de cartaz –, já dá para entrever umas cenas – Alfa e Gedson vêm trazer mais garra à intriga de ação no miolo, Conti dá ares de herói sereno no thriller político da nossa área e Rafa regressa endiabrado ao poema narrativo do último terço do terreno –, mas o elenco ainda não está fechado e o espetáculo é que é a grande prova. Uma das superstiçõ­es mais famosas (há muitas no teatro, como na bola) diz que o ensaio geral deve correr quase mal para que a estreia corra mesmo bem. Tem uma base científica essa superstiçã­o: é que o artista, para estar à sua altura, necessita de um mínimo de adrenalina na hora H. Sim, o excesso de confiança pode deitar a perder meses de trabalho. E é por isso que a pré-época vale só até certo ponto, e que o adepto tem de aguentar o coração em gelo até ao dia da estreia propriamen­te dita.

Aqui confesso, caros amigos: não resisto a saber de cada desenvolvi­mento do Benfica na pré-época. Mas, pois, vou tentando dar alguns descontos. Parte desse fascínio é semelhante ao de espreitar os bastidores de uma produção teatral. A piada do ator “à paisana” no camarim pode ser, ao mesmo tempo, tão curiosa e tão anticlimát­ica como aquelas substituiç­ões de dez jogadores nos jogos de preparação. É um equilíbrio difícil, sim. O melhor, para já, é ver que não se vendeu ninguém essencial – os manda-chuvas parecem ter aprendido com a asneirada “estratégic­a” da época anterior – e que os novos craques trazem mais futebóis à equipa. Ainda há uma partida de coração no gelo e depois já é a doer. Que bom, vamos a isso.

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