Duas pulseiras no Racing como símbolo de liberdade
Espanha comoveu-se com o reencontro de Aguirre e Sergio, dupla atacante do Santander, que em 1975 calçou as chuteiras da democracia
Ao saberem da execução de cinco jovens acusados de terrorismo, os avançados ataram “brazeletes” negras ao braço. Foram perseguidos e só agora se reviram para assumirem totalmente o que fizeram
A 27 de setembro de 1975, tombava a última vítima da ditadura espanhola, liderada pelo generalíssimo Francisco Franco. Humberto Baena, galego de 24 anos, membro da Frente Revolucionária Antifascista e Patriota, recusou venda para encarar o derradeiro pelotão de fuzilamento franquista. Horas depois, entravam em cena dois avançados do Racing de Santander onde alinhava o português Quinito: Aitor Aguirre e Sergio Manzanera. Ambos ouviram a morte dos terroristas na estação pirata Radio España Independiente, que emitia informação censurada pelo regime. Estagiavam para uma receção no Sardinero ao Elche e decidiram protestar no dia do jogo: ataram pulseiras negras ao braço esquerdo. O ato só há dois meses foi totalmente assumido por ambos em conjunto, comoveu Espanha, mas teve pouca repercussão internacional.
Apesar de manifestações por toda a Europa (ler caixa anexa) aquando da condenação de cinco alegados terroristas acusados de um atentado que a 22 de julho de 1975 matou um polícia em Madrid, o regime foi implacável e ordenou a pena capital.
Ninguém no plantel cântabro percebeu o gesto de Aguirre e Sergio. Era um grupo “futbolero”, apolítico. Dianteiro basco, Aguirre, fez os golos do Racing (vitória por 2-1), mas a atitude não passou despercebida a todos. A extrema-direita ameaçou de morte os futebolistas, que foram interrogados no comissariado local da polícia. Nada admitiram. “As autoridades não estranharam que eu fosse insubordinado por ser basco, mas Sergio era valenciano e com ele ficaram espantados. Vivemos muita tensão”, revelou Aguirre ao “El País”. “Eu não tinha partido, mas tínhamos de fazer algo. Santander, uma cidade tradicional, não nos entendeu”, confessou Sergio.
Dois meses depois, Franco morreu, Espanha voltou a ser livre e evaporou-se o caso dos dois avançados, que se reencontraram em maio passado em pleno Sardinero. “Aqui senti que finalmente tinha feito algo de bom na minha vida”, confessou Sergio, logo antes de chorar.