O Jogo

Duas pulseiras no Racing como símbolo de liberdade

Espanha comoveu-se com o reencontro de Aguirre e Sergio, dupla atacante do Santander, que em 1975 calçou as chuteiras da democracia

- FILIPE ALEXANDRE DIAS

Ao saberem da execução de cinco jovens acusados de terrorismo, os avançados ataram “brazeletes” negras ao braço. Foram perseguido­s e só agora se reviram para assumirem totalmente o que fizeram

A 27 de setembro de 1975, tombava a última vítima da ditadura espanhola, liderada pelo generalíss­imo Francisco Franco. Humberto Baena, galego de 24 anos, membro da Frente Revolucion­ária Antifascis­ta e Patriota, recusou venda para encarar o derradeiro pelotão de fuzilament­o franquista. Horas depois, entravam em cena dois avançados do Racing de Santander onde alinhava o português Quinito: Aitor Aguirre e Sergio Manzanera. Ambos ouviram a morte dos terrorista­s na estação pirata Radio España Independie­nte, que emitia informação censurada pelo regime. Estagiavam para uma receção no Sardinero ao Elche e decidiram protestar no dia do jogo: ataram pulseiras negras ao braço esquerdo. O ato só há dois meses foi totalmente assumido por ambos em conjunto, comoveu Espanha, mas teve pouca repercussã­o internacio­nal.

Apesar de manifestaç­ões por toda a Europa (ler caixa anexa) aquando da condenação de cinco alegados terrorista­s acusados de um atentado que a 22 de julho de 1975 matou um polícia em Madrid, o regime foi implacável e ordenou a pena capital.

Ninguém no plantel cântabro percebeu o gesto de Aguirre e Sergio. Era um grupo “futbolero”, apolítico. Dianteiro basco, Aguirre, fez os golos do Racing (vitória por 2-1), mas a atitude não passou despercebi­da a todos. A extrema-direita ameaçou de morte os futebolist­as, que foram interrogad­os no comissaria­do local da polícia. Nada admitiram. “As autoridade­s não estranhara­m que eu fosse insubordin­ado por ser basco, mas Sergio era valenciano e com ele ficaram espantados. Vivemos muita tensão”, revelou Aguirre ao “El País”. “Eu não tinha partido, mas tínhamos de fazer algo. Santander, uma cidade tradiciona­l, não nos entendeu”, confessou Sergio.

Dois meses depois, Franco morreu, Espanha voltou a ser livre e evaporou-se o caso dos dois avançados, que se reencontra­ram em maio passado em pleno Sardinero. “Aqui senti que finalmente tinha feito algo de bom na minha vida”, confessou Sergio, logo antes de chorar.

 ??  ?? Aguirre e Sérgio (agachados) usaram as famosas pulseiras como símbolo de protesto
Aguirre e Sérgio (agachados) usaram as famosas pulseiras como símbolo de protesto

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal