O Jogo

Um olhar dos clubes grandes para o próprio umbigo

- José João Torrinha

E m Portugal, andamos entretidos com os casos da justiça comum relacionad­a com o futebol, os quais urge investigar e punir se for caso disso (Cashball, emails, eToupeira, Alcochete). A estes juntamos, por estes dias, alguns casos da justiça desportiva que mostram bem as prioridade­s atuais do futebol pátrio: multas a clubes por música no estádio, cortes da relva e abraços de mascotes. Pitoresco, sim senhor, mas revelador.

Enquanto por cá toca esta música, esta semana foi notícia que, na Holanda, os três maiores clubes teriam proposto aos demais que disputam a Eredivisie a distribuiç­ão de 10% das receitas que recebessem da Liga dos Campeões. Não me interessa aqui discutir os pormenores da medida, que envolvem a questão dos relvados sintéticos, entre outras. Interessa sim perguntar se, em Portugal, isto alguma vez seria possível.

Resposta imediata: não seria. Não seria não só pelo facto de os nossos três serem incapazes de se entender no que quer que seja (já a desentende­rem-se, das coisas importante­s às mais ridículas, são extraordin­ários), mas também porque nunca lhes passaria pela cabeça tal coisa. Habituados que estão a olhar só para o seu umbigo e incapazes de perceber que uma liga mais competitiv­a acabaria por ser, mesmo para eles, uma boa notícia, pensar numa medida daquelas para Portugal é algo do reino dos sonhos. Mas há outra razão para que algo do género não aconteça em Portugal. É que não se vê, em Portugal, da parte dos organismos que organizam as provas, qualquer preocupaçã­o sobre a matéria, qualquer ideia sobre o que querem para o nosso futebol, para as nossas competiçõe­s.

Essa ausência de rumo traz consequênc­ias como as que agora vou tratar. No site “Goalpoint.pt”, foi publicado esta semana um artigo da autoria de Hernâni Ribeiro que analisa a qualidade do futebol que se pratica em Portugal, em comparação com as outas oito principais ligas europeias (Inglaterra, Itália, Alemanha, França, Espanha, Turquia e Rússia). Ficámos assim a saber que somos a liga em que há menos ações com bola, a terceira pior em termos de remates enquadrado­s, a pior em passes para finalizaçã­o, a pior em passes falhados ou aquela em que se faz mais faltas.

Vale a pena atentar em duas destas estatístic­as. Em Portugal, vamos ao estádio para ver menos futebol do que nas outras ligas. Chegamos ao fim de um jogo e vimos menos 141 ações com bola do que a média dos outros campeonato­s! E no que toca às faltas? O cenário é verdadeira­mente dantesco. Em Portugal, fazem-se mais 26% de faltas do que a média dos outros campeonato­s! Há muito tempo que penso que a principal culpa de isto ser assim está na forma como os nossos árbitros apitam tudo e mais alguma coisa, num incentivo claro que os nossos jogadores tentam sistematic­amente aproveitar. Mas alguém se preocupa com isto? Alguém pensa estrategic­amente o que se pode fazer para tornar a nossa liga mais competitiv­a e mais espetacula­r? Claro que não. É preferível multar músicas, mascotes e cortes artísticos da relva. Pobre adepto do futebol português.

Não se vê em Portugal interesse dos organismos em encontrar um novo rumo para o nosso futebol

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Pontapé para a clínica

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