Fora da caixa Joel Neto
ESTÁ TUDO ERRADO Nem o futebol se conhece
Tenho a impressão de que Pedro Proença podia arranjar melhor sound bite para reclamar outro regime fiscal para o futebol. Invocar o paralelo com a pornografia dá da Liga e do desporto uma imagem moralista e populista que – até pelas controvérsias em curso – só funciona em desfavor da causa. Deixe Proença em paz a pornografia, que cumpre o seu papel social, paga o IVA que lhe exigem e nem sequer tem direito a parangonas de protesto. De resto, a própria parte útil do argumentário desenvolvido (bem, mais ou menos) no comunicado de ontem é discutível. Devem realmente o desporto profissional e o desporto amador ser metidos no mesmo saco? Hesito. Não estou certo de que o futebol profissional, por exemplo, tenha mais efeitos na promoção da atividade física do que tem na indústria dos videojogos (fomentadora de adições ainda recentemente catalogadas como doenças mentais), nos vícios mais perniciosos da televisão de horário nobre (a desproporção noticiosa, o debate rude e agressivo, etc., etc.) e na máeducação em geral. Mas devo reconhecer a dificuldade do presidente da Liga. Com esta classe política, de que a tecnocracia e o eleitoralismo são muitas vezes os únicos valores, como é que se poderia tentar explicar que ainda é o futebol, tantas vezes, a aproximar gerações, classes sociais e geografias? Ou que já restam cada vez menos penhores de uma certa ideia de cultura portuguesa além dos grandes clubes e dos marcos históricos de união e rivalidade que evocam? Ou que a vitória de Portugal no Euro’2016, a personalidade e o génio de Ronaldo e a rotunda em frente ao Estádio da Luz fazem mais pela conservação do patriotismo na diáspora do que dois terços do empresariado, boa parte da cultura e quase toda a atividade política lusa? Não serviria de nada. Como esta crónica também não vai servir.