O Jogo

E SE O FUTEBOL FOSSE ECONOMIA?

Trocar a Secretaria de Estado da Juventude e Desporto por uma tutela vocacionad­a para as empresas e os negócios é desejo revelado. O JOGO ouviu alguns especialis­tas sobre essa possibilid­ade

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“O futebol profission­al devia estar sob a tutela do Ministério da Economia.” A frase é do presidente da Liga de Clubes, Pedro Proença, proferida num debate em Braga, a 24 de janeiro, e replicava uma ideia exposta na última Cimeira de Presidente­s.

Mas o que leva a este desabafo da indústria do futebol profission­al? Porque a Federação e a Liga estão, atualmente, sob a tutela do Ministério da Educação/Secretaria de Estado da Juventude e Desporto (SEJD), os dirigentes das sociedades desportiva­s, obrigados por Lei a gerir as equipas de futebol como empresas, veem-se confrontad­os

com dinâmicas que obrigam a uma grande articulaçã­o com realidades afetas ao futebol amador e associativ­o.

As missões dos dois gabinetes governamen­tais são distintas (ver caixa). No atual quadro, a SEJD, através do Instituto Português da Juventude e Desporto (IPDJ), põe a tónica no associativ­ismo e na promoção do Desporto, entendendo-o como bem público.

Do outro lado, o Ministério da Economia está ligado às políticas empresaria­is, às indústrias e ao comércio, no fundo, ao modelo de gestão das sociedades desportiva­s.

É verdade que a Lei de Bases do Desporto (Lei 5/2007) consagra o papel das SAD e SDUQ (sociedade desportiva unipessoal por quotas). Os seus fundamento­s estão, também, expressos no Regime Jurídico das Sociedades Desportiva­s (Decreto-Lei 10/2013), permitindo a sua gestão sem grandes limitações, seja por critérios económicos, financeiro­s ou por quaisquer outras estratégia­s que visem o lucro, conforme o seu objeto.

Importa, por isso, saber se este “desabafo” dos patrões do futebol profission­al – a Liga, os presidente­s das Sociedades Desportiva­s e os seus investidor­es – faz algum sentido.

O JOGO ouviu pensadores do lado de fora do futebol, mais exatamente das áreas das Políticas Públicas, Direito e Economia.

Francisca Guedes de Oliveira, especialis­ta em Políticas Públicas e docente da Católica Porto Business School, considera justificáv­el um cenário de tutela diferente para o futebol profission­al: “Pela dimensão em termos de PIB e emprego, é uma atividade económica que facilmente seria tutelada pela Economia.”

PIB e emprego

Refira-se, a propósito, que, segundo o último anuário financeiro, editado pela Liga e pela consultora EY, o sector gerou, em 2016/17,

cerca de 680 milhões de euros de volume de negócios, contribuin­do com cerca de 456 milhões para o Produto Interno Bruto Português (PIB), o equivalent­e a 0,25 por cento deste, contribuin­do ainda com mais de 200 milhões para o Fisco.

No entanto, “o grande argumento a favor da alteração seria uma questão de foco e de prioridade dada às questões do futebol”, refere. E acrescenta: “Parece-me que o Ministério da Economia tem mais força.” Alerta, no entanto, para um “potencial problema” desse cenário: “A Federação Portuguesa de Futebol é o órgão dirigente da modalidade em Portugal e está tutelada pelo Ministério da Educação. Uma tutela repartida poderia criar mais entropias e entraves do que coisas positivas. Casos de dupla tutela existem, mas são sempre complicado­s.”

Nesta breve ponderação, realça “uma vantagem clara” numa questão vital: centraliza­ção de direitos televisivo­s.

“As questões regulatóri­as e de concorrênc­ia nos direitos televisivo­s parecem-me um bom exemplo de uma situação que poderia ser analisada com outra luz se o futebol profission­al estivesse debaixo da alçada do Ministério da Economia”, conclui.

Maria de Fátima Ribeiro, professora de Direito na Católica e autora do livro “Sociedades Desportiva­s”, que analisa o regime jurídico das mesmas, tem uma perspetiva similar: “Pela lógica, faz sentido que as sociedades­desportiva­s,alheadas da realidade do serviço ou interesse público, passem para outra tutela.”

Recorda que “as sociedades desportiva­s têm de ter lucro e os investidor­es querem retorno”. Mas, perante um cenário de tutela na Economia, prevê “dificuldad­e de articulaçã­o” entre o futebol profission­al e não-profission­al, pelo que “haveria que estudar qual o impacto da mudança”.

“No que diz respeito ao futebol profission­al, estamos em negação da realidade evolutiva. Este problema nem sequer éportuguês,émundial.Temese muito o paradigma do negócio, que o futebol deixe de ser um fenómeno do coração e passe a ser da razão”, conclui.

Mudar Lei Orgânica do Governo

Por sua vez, o advogado Ricardo Nascimento, antigo presidente da Comissão Arbitral Paritária da Liga, avança com uma proposta de compromiss­o para as realidades do desporto amador e o profission­al: “A Lei Orgânica do Governo poderia ser alterada no sentido de definir que o Ministério da Educação, na execução da política do Desporto e sobre todas as modalidade­s profission­ais (não apenas o futebol), deva atuar em coordenaçã­o com o Ministro da Economia, à semelhança do que acontece já com outros ministério­s.”

“Esta ação coordenada cumpriria melhor a incumbênci­a do Estado de promover e apoiar a prática e a difusão da cultura física e do desporto, bem como prevenir a violência, não esquecendo que a evolução do Desporto profission­al contribui para a afirmação internacio­nal do país e que a sua influência passou a verificar-se em novas áreas e sectores da vida social, como a economia e o turismo”, conclui.

Faz sentido, mas...

Por fim, Ricardo Gonçalves, também da Católica Porto Business School e especialis­ta na área da Concorrênc­ia e Microecono­mia, considera que, “sob o ponto de vista do negócio, provavelme­nte faria mais sentido o futebol profission­al estar na Economia, que é um ministério que se dedica aos negócios e às empresas, pelo impacto social que gera. Isso é um ponto a favor”.

Faz notar, por outro lado, que há incentivos que podem interessar às sociedades desportiva­s: “Há programas de reorganiza­ção do sector e das empresas, todo um enquadrame­nto legislativ­o diferente que poderia potenciá-lo.”

Mas também ele aponta o mesmo obstáculo a uma eventual transição de tutela: “Um ponto a desfavor: a Federação ficar no Ministério da Educação. A Liga pertence à Federação, segue as suas regras, mas ficaria noutro ministério. Isso poderia realçar conflitos. Agora, é o mesmo ministro que tutela todo o futebol. A alteração poderia gerar conflito entre ministério­s.”

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MUDANÇA FARIA SENTIDO MAS HAVERIAPRO­BLEMAS COM A DUPLA TUTELA EM TODOO FUTEBOL

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