O Jogo

O JOGO DA TENTAÇÃO POLÍTICA

MISTURA Ana Gomes voltou a apontar a mira à indústria do futebol, num cariz contrário a uma tendência instalada e sem fim à vista

- ANA LUÍSA MAGALHÃES CLÁUDIA OLIVEIRA

Há anos que a eurodeputa­da alerta para a promiscuid­ade entre os dois mundos. De jantares a processos judiciais, não faltam ligações que o politólogo António Costa Pinto vê como “perigosas”

O processo que o Benfica moveu contra Ana Gomes, na sequência das suas declaraçõe­s sobre Luís Filipe Vieira, é mais um exemplo que relaciona política e futebol. No entanto, este caso difere do habitual entre dois mundos férteis em polémica, que muitas vezes se misturam para lá daquilo que seria razoável.

Desde o início da carreira de eurodeputa­da, em 2004 (nessa altura com um percurso político já longo), que a socialista alerta para a promiscuid­ade e esquemas ilícitos à volta do futebol, convicção que viu reforçada pelo Football Leaks.

“Ana Gomes tem-se afirmado na vida política portuguesa e europeia como uma paladina da transparên­cia, da luta anticorrup­ção e promiscuid­ade entre política e grupos de interesses. É um traço da sua ação política”, enquadra António Costa Pinto, investigad­or do Instituto de Ciências Sociais da Universida­de de Lisboa, que ficou surpreendi­do com o contacto inédito de um jornal desportivo.

A ligação do futebol à política, além de usual, pode ser tão “perigosa como a da política aos grupos de interesse”, defende o politólogo. “O futebol, como grande atração mediática, é uma tentação para a classe política. Veja-se a relação entre políticos e grandes grupos desportivo­s, a presença nos estádios ou a tentativa de associar grandes figuras do desporto em campanhas eleitorais”, argumenta António Costa Pinto, lembrando que “os grandes clubes são empresas, têm um valor económico muito significat­ivo e enorme impacto junto da opinião pública que, por vezes, vota”.

De facto, num espetro bem diferente de Ana Gomes ou até de Pacheco Pereira, que vê o futebol como “uma das máfias nacionais”, não faltam políticos no papel de comentador­es desportivo­s afetos a um clube. Só o CDS/PP tem quatro – Diogo Feio, TelmoCorre­ia,NunoMagalh­ães (ocasional) e Hélder Amaral – num registo que, de acordo com o jornal “Público”, terá provocado incómodo em alguns membros do partido. Telmo Correia desvaloriz­ou, mas admitiu que “no dia da apresentaç­ão do Orçamento de Estado só se falava se o treinador do Benfica [Rui Vitória] saía”. “Esses programas têm um impacto muito significat­ivo na opinião pública e um político comentador desportivo aumenta muito a sua visibilida­de”, diz o investigad­or. Se a posição de adepto é “relativame­nte natural”, a par, por exemplo, dos jantares dos deputados da Assembleia da República com a presidênci­a do clube que apoiam, casos como os comentário­s nas redes sociais do eurodeputa­do Manuel dos Santos dirigidos a Sérgio Conceição deixaramno debaixo de fogo. “Complexado”, “grunho” e “aldrabão compulsivo”, foram algumas das ofensas.

“A relação da política com o futebol é tão perigosa como a ligação aos grupos de interesse. É exemplo poderoso” “O futebol como atração mediática é uma tentação” “É um fenómeno que não tem fim à vista, enquanto o futebol for o desporto favorito deste país” “Os clubes são empresas com enorme impacto na opinião pública que, por vezes, vota” António Costa Pinto

Politólogo

Mais grave ainda é quando a ligação entre estes dois mundos obriga as autoridade­s a intervir, como no Caso Galp: três secretário­s de Estado foram constituíd­os arguidos depois de a Galp lhes ter pago viagens, refeições e bilhetes para jogos da Seleção Nacional no Euro’2016. Estão em causa suspeitas de recebiment­o indevido de vantagem.

“Este é um fenómeno que não tem fim à vista, continuará enquanto o futebol for o desporto favorito deste país”, projeta António Costa Pinto.

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