Morrer duas vezes
Como uma tirada de Bruno Lage se mistura num livro de Jorge Amado
E ntre a fantástica obra do escritor brasileiro Jorge Amado há um livro – de sonho, pronto! – chamado “A morte e a morte de Quincas Berro D’Água”. É a história de um indivíduo que depois de morto está a ser velado pela família e é raptado para voltar a morrer junto dos amigos. Por esta altura, o medo de Bruno Lage é o Benfica poder viver uma história parecida: perder o campeonato pela segunda vez na mesma época. Naquele jeito especial que ainda tem de falar com aparente sinceridade de coisas que outros ignoram, Bruno Lage disse ontem na conferência de Imprensa de antevisão do Feirense-Benfica que pelo contacto com os adeptos percebeu que este campeonato já foi para eles (adeptos) uma causa perdida e recuperada. Ou seja, quase todos tinham tocado o sino a finados e, em pouco tempo, voltaram a acreditar. É curiosa esta constatação. Lage tem consciência de não ter sido chamado para ganhar, mas sim para controlar os danos de uma batalha dada como perdida. Esse distanciamento, essa noção de perda não assumida mas aceite, foi um agente pacificador que ajudou a uma série de resultados notáveis e provocou o renascer da esperança. Não por passes de mágica, mas porque o FC Porto, à 15.ª jornada, quando Lage entrou, tinha sete pontos de avanço e delapidou seis antes de receber o rival da Luz e perder. Alheio aos problemas do opositor, o Benfica fez a parte que lhe competia e inverteu posições. Passou do momento em que só aspiraria ao título se os portistas cedessem, para ficar por cima e depender de si próprio. Chegado a este ponto, a pressão mudou de lado. Porque a participação nas taças (Liga e Portugal), que a partir da tal ronda 15, quando o título estava morto, até poderiam ser salvadoras, redundaram em fracassos, Lage, que a toda a hora fala dos adeptos e para eles, sente que falhar será morrer duas vezes na mesma época. E no futebol, até os contornos da morte podem ser diferentes. Até se pode morrer de véspera. Basta antecipar um jogo da jornada errada.
No futebol até o conceito de morte pode ser diferente. É possível morrer de véspera! Basta antecipar o jogo errado