O Jogo

Morrer duas vezes

Como uma tirada de Bruno Lage se mistura num livro de Jorge Amado

- Carlos Machado carlos.machado@ojogo.pt

E ntre a fantástica obra do escritor brasileiro Jorge Amado há um livro – de sonho, pronto! – chamado “A morte e a morte de Quincas Berro D’Água”. É a história de um indivíduo que depois de morto está a ser velado pela família e é raptado para voltar a morrer junto dos amigos. Por esta altura, o medo de Bruno Lage é o Benfica poder viver uma história parecida: perder o campeonato pela segunda vez na mesma época. Naquele jeito especial que ainda tem de falar com aparente sinceridad­e de coisas que outros ignoram, Bruno Lage disse ontem na conferênci­a de Imprensa de antevisão do Feirense-Benfica que pelo contacto com os adeptos percebeu que este campeonato já foi para eles (adeptos) uma causa perdida e recuperada. Ou seja, quase todos tinham tocado o sino a finados e, em pouco tempo, voltaram a acreditar. É curiosa esta constataçã­o. Lage tem consciênci­a de não ter sido chamado para ganhar, mas sim para controlar os danos de uma batalha dada como perdida. Esse distanciam­ento, essa noção de perda não assumida mas aceite, foi um agente pacificado­r que ajudou a uma série de resultados notáveis e provocou o renascer da esperança. Não por passes de mágica, mas porque o FC Porto, à 15.ª jornada, quando Lage entrou, tinha sete pontos de avanço e delapidou seis antes de receber o rival da Luz e perder. Alheio aos problemas do opositor, o Benfica fez a parte que lhe competia e inverteu posições. Passou do momento em que só aspiraria ao título se os portistas cedessem, para ficar por cima e depender de si próprio. Chegado a este ponto, a pressão mudou de lado. Porque a participaç­ão nas taças (Liga e Portugal), que a partir da tal ronda 15, quando o título estava morto, até poderiam ser salvadoras, redundaram em fracassos, Lage, que a toda a hora fala dos adeptos e para eles, sente que falhar será morrer duas vezes na mesma época. E no futebol, até os contornos da morte podem ser diferentes. Até se pode morrer de véspera. Basta antecipar um jogo da jornada errada.

No futebol até o conceito de morte pode ser diferente. É possível morrer de véspera! Basta antecipar o jogo errado

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