O Jogo

Convicção, improviso e Bernardo a maestro

- Jacinto Lucas Pires

Oestado-nação está em crise, mas as nações da bola têm mais um torneio para se entreterem. Vem aí uma jogatana com a Suíça, senhoras e senhores. Uma quarta-feira nacional, para voltarmos a sofrer e a aplaudir todos juntos, depois de tantas jornadas cada um com o seu emblema. Um jogo contra a equipa da terra do chocolate de leite… Dito assim, pode parecer fácil, não é verdade, caros amigos? Pois, e é precisamen­te aí que começa o perigo. O célebre “excesso de confiança” é uma das fraquezas históricas do futebol luso (juntamente com o seu gémeo invertido, o não menos famoso “medo de ser feliz”). Mas haverá alguma coisa a fazer em relação a isso? Não sei, talvez a equipa técnica pudesse declamar Os Lusíadas ou a Mensagem no estágio de preparação que hoje começa, a ver se isso ajudava a inspirar os artistas da bola…

Mas há decisões mais terrenas que, sim, é importante tomar. Antes de mais, é preciso definir um modelo de jogo que dê espaço a Bernardo Silva. Tem de ser ele o vagabundo e o maestro da seleção. Cristiano Ronaldo (que chega agora à equipa com o estatuto pouco invejável de estrela convidada) deve ficar lá à frente, como ponta de lança, a chutar, a cabecear, a chamar

defesas, mas o palco da criação futebolíst­ica deixemno, por favor, ao benfiquist­a do City. Sobre Picasso, parece que já ouvimos tudo, não é verdade, queridos leitores? Pois, no outro dia, surpreendi-me ao ler algo novo. Algo novo, escrito em 1954. Disse John Berger que o pintor de Guernica era “essencialm­ente um improvisad­or” e que a sua arte mutante assentava numa “convicção” única. É talvez o que vai faltando ao jogo da nossa seleção, não concordam? Um futebol mais seguro, mais “convicto”, e, ao mesmo tempo, com mais espaço para a surpresa e para o “improviso”. Também por isso, é essencial que o jogo gire à volta de Bernardo Silva, o mais picassiano dos nossos craques.

Há pouco tempo, Bruno Lage lembrou que as melhores ideias táticas não são teorias atiradas para cima de um plantel; têm de ser pensadas a partir dos jogadores, das caracterís­ticas e possibilid­ades de certo grupo em concreto. É esse o desafio que Fernando Santos tem pela frente. Que modelo, que sistema, que desenho fazer a partir dos futebóis de Rafa, Fernandes, Félix, Pizzi, Neves, Guedes? Com tanta chuteira feliz, caramba, não podemos continuar na mesma como a lesma.

É essencial que o jogo gire à volta de Bernardo Silva, o mais picassiano dos nossos craques

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