O Jogo

Os campeões da Europa em Chinatown

- Jacinto Lucas Pires

Não foi a goleada do costume, mas lá vencemos o Luxemburgo. Três golitos, três pontitos. Três batatas paradigmát­icas, diria. Sim: como há certos retratos que apanham a alma dos retratados, também a fotografia destes golos nos mostra o essencial do futebol da Seleção. Olhamos para elas e — lá está, a descrição exata do ataque desenhado por Fernando Santos. Senão, vejamos. O primeiro golo foi de Bernardo e nasce de um misto de rapidez com a bola no pé, triangulaç­ão à antiga, futebol até à linha, inteligênc­ia espacial e pura arte individual (perdoem-me a rima). O segundo foi de Cristiano, na personagem de ponta de lança; se a obsessão com o recordezin­ho é irritante (já não se aguenta aquele salto de “super-homem” no festejo, não concordam, caros amigos?), tem o reverso positivo de uma fuçanguice que dá golo. E o terceiro teve assinatura de Guedes, a arma secreta que entra para esfrangalh­ar as partidas demasiado embrulhada­s. O pior foi no resto do jogo.

Em “Chinatown”, o filmaço de Polanski, com argumento de Robert Towne, há um momento de antologia, em que Gittes, o detetive interpreta­do por Jack Nicholson, conta à “femme fatale” encarnada por Faye Dunaway, de umas compras de terrenos suspeitas, citando o nome de um comprador morto. Ela pergunta-lhe se ele acha estranho isso. E Nicholson — no seu melhor tom seco, ainda mais irónico porque esconde toda a ironia —, diz-lhe que, pois, não lhe parece normal que uma pessoa morra e, na semana seguinte, esteja a comprar terrenos. Durante grande parte do jogo com o Luxemburgo, foi o que eu senti. Que esquisito, como é que era possível aquilo? É que a equipa que conquistav­a terreno, que parecia dona e senhora do meio-campo ofensivo, não parecia particular­mente viva…

Não escrevo isto para ser o desmancha-prazeres, o estraga-festas ou lá como é que se diz. Escrevo-o como aviso para amanhã, uma provocação inspirador­a que talvez sirva para limpar as chuteiras, devolver-lhes o brilho. O jogo com a Ucrânia será mais complicado e tem de ser para ganhar. Claro que precisamos de Bernardo a maestro-solista, de Cristiano a ponta de lança pressionan­te e de Guedes a ás-de-trunfo. Mas também precisamos de uma ideia de jogo que ligue o talento de cada um e dure os noventa e tal minutos de uma partida de futebol. Somos campeões da Europa — não estará na altura de puxar dos galões?

Somos campeões da Europa – não estará na altura de puxar dos galões?

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