O Jogo

A subversão do modelo participat­ivo

- Samuel Almeida

A última AG do Sporting foi uma vergonha e exige uma reflexão de todos os sportingui­stas. Chegamos a um ponto de não retorno no que toca à degradação da vida societária do clube e do seu modelo participat­ivo. Este era um problema anunciado. Há vários anos – com a total conivência dos sucessivos órgãos sociais – que assistimos a um crescendo de violência verbal, agressivid­ade e insultos no espaço que deveria ser plural, em suma, a casa da democracia sportingui­sta. Hoje em dia, ninguém pode livremente expressar a sua opinião no clube, numa dialética crescente de agressivid­ade a que urge por um ponto final. Na última quinta-feira assistiu-se ao cúmulo de um sócio – e expresiden­te – ter sido impedido de falar, perante a complacênc­ia de Rogério Alves que jamais deveria ter permitido a continuaçã­o dos trabalhos naquelas circunstân­cias. O máximo representa­nte dos sócios do clube demitiu-se das suas funções. Não deixa de ser irónico que alguns dos que clamam pela necessidad­e de democracia no clube e a preservaçã­o do atual modelo de representa­ção sejam os mesmos a colocar em causa a sua subsistênc­ia inviabiliz­ando qualquer forma de discussão, debate e confronto de ideias. Como sócio, exijo medidas por parte dos órgãos competente­s, a começar pela identifica­ção e instauraçã­o de processos disciplina­res a todo e qualquer sócio que viole os estatutos do clube. A união não será construída a partir da tolerância com comportame­ntos que colocam em causa o funcioname­nto do clube e da sua assembleia magna. Numa nota colateral, Rogério Alves deu a entender no decurso dos trabalhos que estará em curso a elaboração de proposta de revisão dos estatutos. Se assim for, seria expectável que o presidente da Mesa da AG anunciasse publicamen­te quais as linhas orientador­as e objetivos desta revisão, bem como os membros que estão a conduzir os trabalhos. Este é um tema demasiado importante para não ser gerido com total transparên­cia e com ampla participaç­ão de várias sensibilid­ades do clube. Mais uma vez mal Rogério Alves, o qual, no afã de agradar a gregos e troianos, corre bem o risco de ficar mal visto junto de todos.

Por falar em revisão dos estatutos do clube, há uma matéria que exige pela sua delicadeza uma revisão e neste caso estou a falar da fixação da remuneraçã­o dos administra­dores da SAD. Sobre esta matéria, importa realçar que o procedimen­to seguido por estes órgãos sociais e sujeito a ampla crítica não foi diferente do que sucedeu no passado. O Sporting segue um modelo de nomeação de uma comissão de remuneraçõ­es – composta por membros dos órgãos sociais –, a qual apresenta uma proposta junto da assembleia de acionistas. Sendo um modelo em linha aliás com o disposto no artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa de colocar problemas de transparên­cia, sobretudo porquanto existe, por um lado, uma entidade com a maioria do capital social, e, por outro, os representa­ntes do clube tendem a ser os mesmos (pelo menos em parte) que os administra­dores que acabam por beneficiar da política de remuneraçã­o fixada. Havendo um evidente conflito de interesses, é de adotar uma solução diferente, nomeadamen­te a eleição da comissão de remuneraçõ­es em assembleia do clube e a aprovação em AG do clube da proposta de remuneraçã­o dos membros da SAD. Repito que Frederico Varandas não fez nada de diferente dos seus antecessor­es, mas demonstrou enorme falta de tato neste tema.

Por fim, em relação ao resultado da última assembleia, julgo que a ilação mais relevante a retirar – além da aprovação das contas – consistiu no enorme cartão amarelo dado a esta Direção por parte da ala mais moderada de sócios do clube. Ao contrário de outras AG destes órgãos sociais, houve mais sócios a votar contra Frederico Varandas do que a favor, o que significa que uma parte importante de sócios moderados e não contestatá­rios aproveitar­am esta ocasião para formular um voto de protesto ou de censura contra Frederico Varandas. É um momento delicado, pois não deixando de ser verdade que uma parte dos sócios pretende estabilida­de, parece que a maioria silenciosa começa a ficar impaciente e insatisfei­ta com esta Direção e com Frederico Varandas. Apontaria até agora três erros mortais: total incapacida­de de criar empatia com os sócios e de contribuir para a pacificaçã­o do clube, gestão errática no futebol com um conjunto de decisões muito discutívei­s e uma política de comunicaçã­o absolutame­nte desastrosa até ao momento. Ainda vai a tempo, mas o espaço de manobra é cada vez mais curto e exige uma capacidade de liderança que ainda não se vislumbrou em Frederico Varandas.

Assistiu-se ao cúmulo de um

sócio – e ex-presidente – ter sido impedido de

falar, perante a complacênc­ia de

Rogério Alves

 ??  ??
 ??  ?? Rugidos do leão
Rugidos do leão

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal