A subversão do modelo participativo
A última AG do Sporting foi uma vergonha e exige uma reflexão de todos os sportinguistas. Chegamos a um ponto de não retorno no que toca à degradação da vida societária do clube e do seu modelo participativo. Este era um problema anunciado. Há vários anos – com a total conivência dos sucessivos órgãos sociais – que assistimos a um crescendo de violência verbal, agressividade e insultos no espaço que deveria ser plural, em suma, a casa da democracia sportinguista. Hoje em dia, ninguém pode livremente expressar a sua opinião no clube, numa dialética crescente de agressividade a que urge por um ponto final. Na última quinta-feira assistiu-se ao cúmulo de um sócio – e expresidente – ter sido impedido de falar, perante a complacência de Rogério Alves que jamais deveria ter permitido a continuação dos trabalhos naquelas circunstâncias. O máximo representante dos sócios do clube demitiu-se das suas funções. Não deixa de ser irónico que alguns dos que clamam pela necessidade de democracia no clube e a preservação do atual modelo de representação sejam os mesmos a colocar em causa a sua subsistência inviabilizando qualquer forma de discussão, debate e confronto de ideias. Como sócio, exijo medidas por parte dos órgãos competentes, a começar pela identificação e instauração de processos disciplinares a todo e qualquer sócio que viole os estatutos do clube. A união não será construída a partir da tolerância com comportamentos que colocam em causa o funcionamento do clube e da sua assembleia magna. Numa nota colateral, Rogério Alves deu a entender no decurso dos trabalhos que estará em curso a elaboração de proposta de revisão dos estatutos. Se assim for, seria expectável que o presidente da Mesa da AG anunciasse publicamente quais as linhas orientadoras e objetivos desta revisão, bem como os membros que estão a conduzir os trabalhos. Este é um tema demasiado importante para não ser gerido com total transparência e com ampla participação de várias sensibilidades do clube. Mais uma vez mal Rogério Alves, o qual, no afã de agradar a gregos e troianos, corre bem o risco de ficar mal visto junto de todos.
Por falar em revisão dos estatutos do clube, há uma matéria que exige pela sua delicadeza uma revisão e neste caso estou a falar da fixação da remuneração dos administradores da SAD. Sobre esta matéria, importa realçar que o procedimento seguido por estes órgãos sociais e sujeito a ampla crítica não foi diferente do que sucedeu no passado. O Sporting segue um modelo de nomeação de uma comissão de remunerações – composta por membros dos órgãos sociais –, a qual apresenta uma proposta junto da assembleia de acionistas. Sendo um modelo em linha aliás com o disposto no artigo 399.º do Código das Sociedades Comerciais, não deixa de colocar problemas de transparência, sobretudo porquanto existe, por um lado, uma entidade com a maioria do capital social, e, por outro, os representantes do clube tendem a ser os mesmos (pelo menos em parte) que os administradores que acabam por beneficiar da política de remuneração fixada. Havendo um evidente conflito de interesses, é de adotar uma solução diferente, nomeadamente a eleição da comissão de remunerações em assembleia do clube e a aprovação em AG do clube da proposta de remuneração dos membros da SAD. Repito que Frederico Varandas não fez nada de diferente dos seus antecessores, mas demonstrou enorme falta de tato neste tema.
Por fim, em relação ao resultado da última assembleia, julgo que a ilação mais relevante a retirar – além da aprovação das contas – consistiu no enorme cartão amarelo dado a esta Direção por parte da ala mais moderada de sócios do clube. Ao contrário de outras AG destes órgãos sociais, houve mais sócios a votar contra Frederico Varandas do que a favor, o que significa que uma parte importante de sócios moderados e não contestatários aproveitaram esta ocasião para formular um voto de protesto ou de censura contra Frederico Varandas. É um momento delicado, pois não deixando de ser verdade que uma parte dos sócios pretende estabilidade, parece que a maioria silenciosa começa a ficar impaciente e insatisfeita com esta Direção e com Frederico Varandas. Apontaria até agora três erros mortais: total incapacidade de criar empatia com os sócios e de contribuir para a pacificação do clube, gestão errática no futebol com um conjunto de decisões muito discutíveis e uma política de comunicação absolutamente desastrosa até ao momento. Ainda vai a tempo, mas o espaço de manobra é cada vez mais curto e exige uma capacidade de liderança que ainda não se vislumbrou em Frederico Varandas.
Assistiu-se ao cúmulo de um
sócio – e ex-presidente – ter sido impedido de
falar, perante a complacência de
Rogério Alves