O ano da náusea
Foram 12 meses de dúvidas crescentes sobre a Justiça e de certezas sobre a existência de cidadãos de 1ª e de 2ª
Quinze anos depois, ainda há escutas do caso Apito Dourado, envolvendo pessoas nunca sequer citadas no processo (até falecidas) e versando conversas banais, nas mãos de gente tão idónea, e tão incapaz de deturpar factos, como o advogado benfiquista António Pragal Colaço – um pilar da sarjeta, do esgoto e de todos os sistemas de saneamento público em geral, apanhado no caso dos emails a enviar a morada e outras informações do ex-árbitro Jorge Coroado ao igualmente idóneo Pedro Guerra. Para isso, foi preciso que alguém, da Polícia Judiciária, dos tribunais ou do Ministério Público, violasse, por mera clubite, os direitos de cidadãos que não cometeram crimes nem foram suspeitos de os cometer. A Justiça é a grande desilusão de 2019, não forçosamente pelas decisões que tomou, mas pela montanha de dúvidas que fez questão de deixar, com a cumplicidade da Imprensa lisboeta, da política e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, entretida a usar a “liberdade de expressão” como escudo. Em 2019, soubemos que o Ministério Público não tem poderes para obrigar um presidente do Benfica a prestar declarações, o que lhe valeu a absolvição no caso e-Toupeira. Essa exceção presidencial, que digo?, imperial, não teve qualquer repercussão no suposto Estado democrático. De repente, pareceu normal que o MP abdicasse de ouvir o presidente do clube acusado de espiar os tribunais e que, depois, o clube acabasse livre de responsabilidades justamente por causa dessa abdicação. Um comportamento altamente questionável (apesar de nunca questionado, por exemplo, pela Magistratura) e difícil de conciliar com a longa prisão preventiva do pirata Rui Pinto, que até seria aceitável não fosse a completa inação, ou falta de notícias, da Justiça em todo o enorme resto que está relacionado com o caso. 2019 foi o ano da náusea e da hipocrisia para quem mantenha um farrapo de equilíbrio mental.