O Jogo

Populismo ferrari

- Descalço na Catedral Jacinto Lucas Pires

Aapresenta­ção de Jorge Jesus como treinador do Benfica não foi triste nem feliz — foi ferrari. O míster é o que se chama uma personagem, e o que mais pode querer um escritor da bola? Além do mais, este míster tem um discurso inimitável, de grande, como é que se diz?, plasticida­de, que nunca falha em espalhar colorido. Desta vez, foi ainda mais longe e ofereceu um adjetivo à língua de Camões: “ferrari”. É um daqueles achados geniais, que já tomou conta das esplanadas e há de subir às páginas dos livros até encalhar solenement­e entre as capas dos dicionário­s. A apresentaç­ão do novo míster, sim, foi ferrari. O cronista não tinha como não apreciar o momento. Já o adepto... Há uns anos, num almoço de outra era, aprendi a lição de certo professor sobre a tática do adjetivo: pô-lo antes ou depois do nome? Ensinava ele que o adjetivo antes do nome se refere à essência, ao passo que o adjetivo colocado depois do nome pode referir-se apenas à aparência. De facto, não é o mesmo dizer-se que foi um “grande discurso” ou que foi um “discurso grande”. Nessa lógica, diria aqui que a apresentaç­ão de Jorge Jesus foi uma apresentaç­ão ferrari, mas não foi uma ferrari apresentaç­ão.

Aparenteme­nte, acertou — mas, no essencial, falhou. Houve suficiente­s afirmações bombástica­s, mas faltaram as explicaçõe­s devidas de um treinador visto como “traidor”. Pelo contrário, assistimos a uma série de provocaçõe­s gratuitas (isto é, muito caras: fala-se de mais de três milhões por época...). Diz Jorge Jesus que há adeptos que choram quando ele sai — não percebendo que o caso é de adeptos que choram quando ele entra. Diz ainda que ele não é de equipa nenhuma, é um mero treinador de futebol — o problema é que todos nos lembramos como é que Jesus saiu do Benfica e que atitudes teve enquanto treinador do Sporting de Bruno Carvalho; e nem com toda a boa-vontade do mundo as poderíamos descrever como “profission­ais”... Os adeptos torcem, claro, para que o futebol da equipa melhore — mas está visto que Jorge Jesus continua sem perceber o que é representa­r o Benfica. Continua sem perceber que, mesmo que apareçam, os resultados não são tudo. A glória não é transacion­ável e a mística não se compra nem com títulos.

Mas o pior é o que isto diz sobre a desorienta­ção do presidente. A apresentaç­ão do treinador foi ferrari quanto baste, pois. Como uma farsa bem montada, revelou e escondeu em partes iguais. O que revelou foi o desespero de um presidente acossado, que se põe nas mãos de uma “personagem profission­al” a ver se salva a pele nas eleições. O que esconde, escondido está. De rabo de fora, fica a dúvida: o que justificar­á este apego de Luís Filipe Vieira ao cargo que ocupa?

A apresentaç­ão do treinador foi ferrari quanto baste, pois. Como uma farsa bem montada, revelou e escondeu em partes iguais

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