Fora da caixa Joel Neto
Vistas as repetições, ouvidos os comentários, alinhados os chacras, estou convencido de que Zaidu não fez penálti sobre Pote. Portanto, houve justiça, o que não deixa de ser inquietante: foi preciso o VAR violar as regras a que prometera submeter-se para fazer vingar a prometida verdade desportiva. Desse ponto de vista, faz sentido o protesto do Sporting: noutro campo, com outro clube, aquele misto de penálti-e-expulsão teria sido revertido? Isto é: o VAR teria prevalecido no atropelo aos seus parâmetros de atuação de modo a assegurar a justiça? Não sei. Apenas dou de barato que, com tão longa tradição na contestação à arbitragem, os leões protestariam sempre – com razão, sem ela e até sem caso. E, porém, aquelas palavrinhas continuam percutindo-me o cérebro, como um pica-pau: “pontapé de penálti”, “pontapé de penálti”... Mas que raio é isto, “pontapé de penálti”? É o epítome desconcertante, retorcidamente cómico, de uma nova e perturbadora realidade: a omnipresença na comunicação social, até nos cafés, da linguagem técnica da arbitragem. Porquê? Porque o videoárbitro, que tinha vindo para tirar as decisões dos árbitros do caminho da alegria, criou antes um novo nicho: o comentário de arbitragem. Televisões, rádios, jornais, sites: já ninguém dispensa o seu especialista. E nós emulamo-los em casa. “Há pontapé de penálti!”, celebramos com o rebento. “Não há pontapé de penálti!”, berramos ao vizinho. Em muitos países, mesmo com erros, passou a haver ao menos uma maior conformação com as decisões – digamos – transitadas em julgado. Aqui, cada instância é uma nova possibilidade de polémica. Portanto, não o escondo: estou à espera de dar por mim mesmo a usar a tal coisa, “pontapé de penálti”. Nesse momento, nem batendo com a cabeça contra a parede – ter-se-á entranhado de vez.