O Jogo

Nas mãos de Jorge Jesus e Carlos Alexandre

- Jaime Cancella de Abreu

Ocomunicad­o da Direção do clube que se seguiu à detenção de Luís Filipe Vieira não deixou margem para dúvidas: não havia ali uma vírgula que fizesse referência ao homem que os havia escolhido para fazerem parte da sua equipa diretiva no último ato eleitoral. Dois dias passados, a mediática comunicaçã­o de Rui Costa foi a definitiva e desnecessá­ria confirmaçã­o: fazendo tábua rasa do facto do presidente eleito não ter se não suspendido funções, apresentou-se no relvado da Luz como presidente de corpo inteiro, não como simples e interino substituto. Passou a ideia de que tudo estaria já pensado, dado que a detenção de Vieira seria apenas uma questão de tempo.

Justamente na própria sexta-feira, ainda Carlos Alexandre não tinha interrogad­o Vieira, muito menos decretado as respetivas medidas de coação, já as oposições desenterra­vam armas e apontavam a mira a Rui Costa. Noronha Lopes bateu na tecla da impossibil­idade de Rui Costa e dos demais membros da Direção e da administra­ção da SAD desconhece­rem os eventuais ilícitos criminais de Vieira que tanto terão prejudicad­o o Benfica. Vários outros, incluindo o eterno candidato Bruno de Carvalho (o benfiquist­a, entenda-se), seguiram o mesmo guião. Ou seja, mais do que a legitimida­de eleitoral ou estatutári­a, foi posta em causa a legitimida­de moral ou ética (foram expressões que ouvi) de Rui Costa. Daí à exigência da realização de eleições antecipada­s foi um pequeno passo.

Acontece que nos clubes o poder não se decide dentro das quatro paredes dos estúdios televisivo­s, nem sequer nas dos pavilhões onde decorrem as assembleia­s gerais; decide-se dentro das quatro linhas dos relvados onde evolui a equipa masculina de futebol sénior. O futuro de Rui Costa estará, para o bem ou para o mal, umbilicalm­ente ligado às prestações da equipa – e esse é o principal problema da oposição: não pode se não reivindica­r eleições lá para setembro ou outubro, sob pena de ser acusada de ignorar os superiores interesses do clube a favor do seu projeto de tomada do poder, e não pode desejar, pelo menos não pode desejar publicamen­te, o insucesso da equipa, sob pena de deitar lama sobre o seu apregoado (e até prova em contrário indiscutív­el) benfiquism­o. Neste filme, vai ser Jorge Jesus a assumir o papel de ator principal.

Contudo, poderá não estar sozinho no elenco. Se por acaso os opositores tiverem razão e os salpicos da investigaç­ão atingirem outros membros da direção do clube ou da administra­ção da SAD, o que eu desejo ardentemen­te não aconteça na medida em que isso seria péssimo para a imagem do clube (já basta o que basta!), o futuro do Benfica passará a estar também nas mãos de Carlos Alexandre. O outro, e último, ator principal.

O momento é, portanto, delicado, mas não dramatizem­os em demasia. Recordamse do “verão quente” de 1993? Perguntem ao Toni, chamem o Cunha Leal, falem com o Shéu, e procurem saber como é que, depois do assalto abutre do Sporting de Sousa Cintra a um Benfica na penúria, que teve que desligar os faxes para estancar a hemorragia de rescisões com justa causa de mais jogadores para além de Paulo Sousa e Pacheco, que só conseguiu contratar um craque que era para aí o décimo quinto da lista de desejos apresentad­a pelos técnicos, o clube se sagrou, e com que brilhantis­mo o fez, campeão nacional. Eu, que tomei conhecimen­to de episódios relevantes desse tempo, avanço já a resposta (a mesma que permite ultrapassa­r todas as crises): benfiquism­o, benfiquism­o, benfiquism­o.

E, já agora, lembrem-se – todos, situação e oposição – que se o clube chegou ao elevado patamar que os faz querer arduamente disputá-lo, deve isso a Luís Filipe Vieira. Por mais imperdoáve­is que possam ter sido os crimes que Vieira tenha cometido a prejuízo do clube, jamais esquecerei a dimensão da obra que realizou. Porque se a obra não legitima o crime, o crime não apaga a obra.

Por mais imperdoáve­is que possam ter sido os crimes que Vieira tenha cometido a prejuízo do clube, jamais esquecerei a dimensão da obra que realizou. Porque se a obra não legitima o crime, o crime não apaga a obra

NOTA - Este texto foi escrito antes de serem anunciadas as medidas de coação aplicadas a Luís Filipe Vieira.

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