O Jogo

Nós e eles

- Marcos Cruz

Já lá vão 25 anos desde que deixei o jornalismo desportivo e é com emoção que hoje regresso como cronista. Fui convidado para escrever sobre o Sporting, mas acho que devo, antes de me dedicar a isso, dizer de onde o faço. Por muito que goste do meu clube, gosto ainda mais de futebol. Foi ele que me levou a dar uma inesquecív­el volta ao mundo, em 82, quando no jogo das seleções era possível apreender o básico da cultura dos países. O futebol para mim sempre foi maior que si mesmo e, apesar de ter vindo a encurtar os seus horizontes com as palas do negócio, continua a ensinar-me muita coisa.

Numa hierarquia simples de valores, ligo-me primeiro à humanidade, depois ao futebol e só a seguir ao meu clube. Parece uma coisa óbvia, na medida em que se não houvesse pessoas não haveria futebol e se não houvesse futebol não haveria clubes, mas hoje talvez seja mais frequente do que raro ver esta equação virada do avesso. A necessidad­e de pertença sempre foi essencial à paixão do futebol, e é inegável que, em campo, para haver um nós tem de haver um eles. Creio, no entanto, que nos fará bem a todos refletir, ainda para mais hoje, num quadro de ameaças extremista­s, sobre as suas dimensões e cargas: nunca o eles deverá ser posto fora de um nós maior. Exijome olhar para portistas e benfiquist­as e adeptos de todos os outros clubes com essa fraternida­de.

Não contem, pois, comigo para promover polémicas e divisões. Urge centrar a ferocidade no jogo, porque existem leis imediatame­nte aplicáveis que controlam os excessos, e despromove­r os antagonism­os fora dele, ou seja, travar aquilo que me parece ser a tendência atual: cada vez mais inflamados e de pavio curto os adeptos, cada vez mais enredado no entretenim­ento o futebol. Podemos debater em vez de discutir e vibrar com o jogo em vez de adormecer.

Para isso contribuir­ia, creio, uma alternativ­a crescente à hegemónica visão resultadis­ta. A ideia veiculada pelo Sérgio Conceição de que jogar bonito é ganhar desmerece, do meu ponto de vista, o encanto do futebol. Digo-o sem problemas, por muito alienígena que isto possa soar: fico mais contente quando o meu clube joga bem e não ganha do que quando ganha e joga mal. É o processo que, acima de tudo, me importa, porque o futebol é um processo, antes de ser um resultado. Um exemplo: Portugal ganhou o Euro em 2016 a jogar o mesmo futebol pobre com que foi agora precocemen­te eliminado, mas enquanto na altura só se admitiam discursos rendidos à sageza tática de Fernando Santos, hoje é tomado por burro quem não lhe aponta demasiadas cautelas.

Como otimista que sou, acredito que o cresciment­o do Sporting esteja a ser orientado nessa visão mais ampla não apenas do futebol mas do desporto de alta competição, a que preza o de onde vimos e para onde vamos. Daí o regresso sustentado a um dos mais reconhecív­eis traços genéticos do clube, além do ecletismo: a formação. Agrada-me duplamente assistir a isto num contexto extraordin­ário de vitórias. O Sporting está a ganhar e, não menos importante, tem mostrado saber ganhar. Espero que assim continue. Quanto a mim, prometo que, na próxima crónica, não fujo à ordem do dia.

O Sporting está a ganhar e, não menos importante, tem mostrado saber ganhar. Espero que assim continue

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Dente de leão

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