Nós e eles
Já lá vão 25 anos desde que deixei o jornalismo desportivo e é com emoção que hoje regresso como cronista. Fui convidado para escrever sobre o Sporting, mas acho que devo, antes de me dedicar a isso, dizer de onde o faço. Por muito que goste do meu clube, gosto ainda mais de futebol. Foi ele que me levou a dar uma inesquecível volta ao mundo, em 82, quando no jogo das seleções era possível apreender o básico da cultura dos países. O futebol para mim sempre foi maior que si mesmo e, apesar de ter vindo a encurtar os seus horizontes com as palas do negócio, continua a ensinar-me muita coisa.
Numa hierarquia simples de valores, ligo-me primeiro à humanidade, depois ao futebol e só a seguir ao meu clube. Parece uma coisa óbvia, na medida em que se não houvesse pessoas não haveria futebol e se não houvesse futebol não haveria clubes, mas hoje talvez seja mais frequente do que raro ver esta equação virada do avesso. A necessidade de pertença sempre foi essencial à paixão do futebol, e é inegável que, em campo, para haver um nós tem de haver um eles. Creio, no entanto, que nos fará bem a todos refletir, ainda para mais hoje, num quadro de ameaças extremistas, sobre as suas dimensões e cargas: nunca o eles deverá ser posto fora de um nós maior. Exijome olhar para portistas e benfiquistas e adeptos de todos os outros clubes com essa fraternidade.
Não contem, pois, comigo para promover polémicas e divisões. Urge centrar a ferocidade no jogo, porque existem leis imediatamente aplicáveis que controlam os excessos, e despromover os antagonismos fora dele, ou seja, travar aquilo que me parece ser a tendência atual: cada vez mais inflamados e de pavio curto os adeptos, cada vez mais enredado no entretenimento o futebol. Podemos debater em vez de discutir e vibrar com o jogo em vez de adormecer.
Para isso contribuiria, creio, uma alternativa crescente à hegemónica visão resultadista. A ideia veiculada pelo Sérgio Conceição de que jogar bonito é ganhar desmerece, do meu ponto de vista, o encanto do futebol. Digo-o sem problemas, por muito alienígena que isto possa soar: fico mais contente quando o meu clube joga bem e não ganha do que quando ganha e joga mal. É o processo que, acima de tudo, me importa, porque o futebol é um processo, antes de ser um resultado. Um exemplo: Portugal ganhou o Euro em 2016 a jogar o mesmo futebol pobre com que foi agora precocemente eliminado, mas enquanto na altura só se admitiam discursos rendidos à sageza tática de Fernando Santos, hoje é tomado por burro quem não lhe aponta demasiadas cautelas.
Como otimista que sou, acredito que o crescimento do Sporting esteja a ser orientado nessa visão mais ampla não apenas do futebol mas do desporto de alta competição, a que preza o de onde vimos e para onde vamos. Daí o regresso sustentado a um dos mais reconhecíveis traços genéticos do clube, além do ecletismo: a formação. Agrada-me duplamente assistir a isto num contexto extraordinário de vitórias. O Sporting está a ganhar e, não menos importante, tem mostrado saber ganhar. Espero que assim continue. Quanto a mim, prometo que, na próxima crónica, não fujo à ordem do dia.
O Sporting está a ganhar e, não menos importante, tem mostrado saber ganhar. Espero que assim continue